Entrevista | Dr. Miguel Costa e Silva

Em Portugal, 20% a 30% dos doentes sofrem de psoríase moderada a grave

Atualizado: 
21/07/2022 - 11:51
Do total de casos diagnosticados, estima-se que a entre 20 e 30% dos doentes com Psoríase sofram de formas mais graves da doença. As características das lesões, a extensão de pele envolvida, e o compromisso que a doença exerce sobre a qualidade de vida do doente é o que determina a sua gravidade. Em entrevista ao Atlas da Saúde, o especialista em Dermatologia e Venereologia no Centro Hospitalar Universitário de São João, Miguel Costa e Silva, revela que “o subtratamento na psoríase é um problema bem conhecido”, reforçando a importância de mais e melhor informação. É que apesar de se tratar de uma doença sem cura, tem tratamento e, mesmo nos casos mais graves, é possível melhorar a qualidade de vida dos doentes.

Considerada uma doença sistémica, estima-se que a psoríase afete cerca de 300 mil portugueses. Uma vez que ainda é mal compreendida, começo por lhe perguntar que doença é esta e a que sinais devemos estar atentos?

A psoríase é uma doença dermatológica crónica, de caráter inflamatório, imuno-mediada e de ocorrência universal. Esta doença pode-se manifestar de várias formas.  A variante mais comum, a psoríase em placas, manifesta-se por placas eritematosas e descamativas, cobertas por escamas esbranquiçadas a prateadas, envolvendo preferencialmente os cotovelos, joelhos, região lombo-sagrada e couro cabeludo, associando-se frequentemente a prurido e escoriações resultantes do ato de coçar. Existem, no entanto, outras formas de psoríase: palmoplantar, gutata (ou em gotas que se caracteriza por pequenas manchas vermelhas bem individualizadas), inversa (ocorre sobretudo nas pregas da pele), pustulosa, eritrodérmica (inflamação atingindo mais de 90% da superfície corporal) e artropática (artrite psoriática). Podíamos falar de psoríases, e não apenas na psoríase.

A partir de que idade podem surgir as primeiras manifestações da doença? Quais as faixas etárias mais atingidas?

A psoríase ocorre em aproximadamente 2% da população mundial, afetando ambos os géneros de forma semelhante. Embora se possa manifestar em qualquer idade, tem uma incidência bimodal, ou seja, apresenta dois picos de incidência: a maioria dos casos ocorre entre os 15 e os 30 anos, havendo um segundo pico entre os 50 e os 60 anos de idade.

Apesar das causas exatas ainda permanecerem desconhecidas, quais os fatores de riscos associados a esta doença? E quais as principais complicações?

Apesar da etiologia da doença não ser totalmente conhecida, reconhece-se o papel da hereditariedade, dos fatores ambientais e do sistema imunológico no desenvolvimento desta patologia. Estão descritos vários genes que conferem risco ou suscetibilidade para a doença e existe história familiar em cerca de um terço dos casos. A interação entre os fatores genéticos, ambientais e o sistema imunitário desencadeia uma sequência de eventos que culminam na expressão clínica da doença.

Quais as comorbidades mais comuns da psoríase?

A psoríase é uma doença inflamatória crónica e sistémica, o que significa que é uma doença que se manifesta na pele, mas isso é apenas a ponta do iceberg. Há um processo inflamatório sistémico, dos vasos, das articulações e de alguns órgãos o que torna a psoríase um fator de risco independente para comorbilidades cardiometabólicas (diabetes mellitus, resistência à insulina, obesidade, hipertensão arterial, dislipidemia, síndrome metabólica) e para o aparecimento de aterosclerose precoce que se vai traduzir num risco superior de eventos cardiovasculares (enfarte agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral), comparativamente à população geral. Para além disso os doentes com psoríase têm uma maior incidência de comorbilidades psiquiátricas (como depressão e ansiedade), artrite psoriática, doença inflamatória intestinal, uveíte e esteatose hepática não alcoólica, além da maior prevalência de hábitos tabágicos e alcoólicos.

Por conseguinte, é crucial que o dermatologista reconheça precocemente estas comorbilidades, que podem ter um impacto significativo na sobrevida dos doentes e influenciar as opções terapêuticas.

O que pode ativar ou agravar os sintomas da doença?

Estímulos exógenos, tais como infeções víricas e bacterianas (como por exemplo infeção VIH e amigdalites estreptocócicas), medicamentos (betabloqueadores, o lítio, fármacos antimaláricos, etc) traumatismos na pele, queimaduras solares, tempo frio e seco, mas também o estado imunológico do indivíduo e o stress, em doentes geneticamente predispostos podem promover as manifestações da psoríase. Além dos fatores de risco já referidos o tabagismo, a obesidade e o alcoolismo também podem agravar a psoríase.

O que determina a gravidade da doença? O que caracteriza os quadros de psoríase moderada a grave, por exemplo?

Em 70 a 80 por cento dos casos, as manifestações da psoríase são ligeiras. No entanto, a psoríase pode ter diferentes graus de gravidade que é objetivamente baseada nas características das lesões, extensão de pele envolvida, e o compromisso que a doença exerce sobre a qualidade de vida do doente. O índice de severidade e área da psoríase (PASI) é o mais utilizado para avaliar a gravidade da patologia em ensaios clínicos, tendo em consideração o eritema, a espessura e o grau de descamação das lesões, bem como a área da superfície corporal envolvida. A psoríase diz-se grave quando o PASI é superior a 10. Esta avaliação, devido à sua complexidade, nem sempre é realizada na prática clínica, sendo a psoríase clinicamente classificada como ligeira se as lesões atingirem menos de 2% da superfície corporal, moderada caso envolvam 2 a 10% e severa quando atinge mais de 10%. O outro método é o índice dermatológico de qualidade de vida (DLQI), no qual são colocadas perguntas ao doente para avaliar o impacto da doença na vida do mesmo. A psoríase diz-se grave quando o DLQI é superior a 10.

Neste sentido, em que consiste o seu tratamento? Que opções terapêuticas se encontram disponíveis? E quais os principais desafios quanto a esta matéria?

No sentido estrito da palavra, não existe cura para a psoríase. Contudo, existem tratamentos disponíveis que possibilitam uma resolução de grande parte (ou até de todas) as manifestações psoriáticas permitindo melhorar a qualidade de vida dos doentes.  Os tratamentos tópicos - que incluem cremes, pomadas e champôs - geralmente são suficientes para o controlo das formas ligeiras de psoríase e são um complemento importante dos tratamentos sistémicos nas formas mais graves. Para os casos de maior gravidade ou em situação de resistência aos tratamentos locais, existem soluções na forma de fototerapia, que recorre à radiação ultravioleta A ou B, medicamentos orais ou injetáveis que incluem retinóides, imunomoduladores e imunossupressores. Casos graves e selecionados podem recorrer a medicamentes biológicos. Apesar de sujeitos a protocolos de prescrição específicos (pelo seu custo superior) são opções extremamente eficazes e seguras, desprovidas de toxicidade cumulativa e específica de órgão, que bloqueiam de forma seletiva as células e mediadores inflamatórios envolvidos na patogénese da psoríase garantindo grande probabilidade de controlo da doença. Constituem, à data, a maior revolução no tratamento da psoríase.

O que explica o subtratamento da psoríase moderada a grave? O que falha?

O subtratamento na psoríase é um problema bem conhecido e a satisfação com o tratamento entre aqueles que vivem com psoríase é frequentemente citada como sendo modesta, na melhor das hipóteses.

No entanto, atualmente temos disponível uma gama ampla de tratamentos eficazes para a psoríase e muitos doentes e até médicos não Dermatologistas desconhecem a possibilidade de atingir 100% de remissão. É certamente necessária uma maior consciencialização do paciente sobre as opções de tratamento disponíveis. Além disso, uma fonte segura e confiável de educação do paciente pode ajudar a combater a desinformação que influencia as decisões dos pacientes.

Enfrentar os problemas de conscientização e desinformação requer uma educação eficaz do paciente.

Após o diagnóstico, que cuidados deve o doente ter?

Gerir o carácter flutuante, crónico e altamente impactante da doença é muito difícil sem ajuda especializada. Além, claro, do tratamento diário da pele, um estilo de vida saudável, com um regime alimentar adequado, exercício físico regular, abstinência de consumo de tabaco ou bebidas alcoólicas, pode ajudar no combate à psoríase. A gestão destes fatores comportamentais, bem como o cumprimento rigoroso do tratamento instituído, são fundamentais. Por fim, o doente poderá sempre recorrer ao seu dermatologista para dúvidas que possam surgir, quer sejam relativas à doença, bem como ao tratamento. É numa relação médico-doente sólida que reside o sucesso do controlo da psoríase.

Qual o impacto da doença na qualidade de vida e na saúde mental de quem convive com a psoríase?

A psoríase, pelas suas características é frequentemente conhecida como a doença dos “três nãos”, uma vez que não mata, não contagia, mas, não tem cura. Sendo, portanto, uma doença crónica que afeta predominantemente a pele, fica à vista de todos e isso pode causar grande impacto na qualidade de vida que se faz sentir tanto a nível físico como emocional, social, profissional e económico. A nível físico, a doença origina sintomas como o prurido, o ardor, a sensação de desconforto, a dor na pele e nas articulações e a incapacidade funcional. A nível psicoemocional, podem ser notórios sintomas de ansiedade, raiva, frustração, baixa autoestima, inibição, constrangimento, tristeza, solidão, depressão e maior frequência de ideação suicida. A nível interpessoal, sexual e social, foca-se a estigmatização, a discriminação, o isolamento, a rejeição social, a menor tendência para procurar relacionamentos, a disfunção sexual e a diminuição da participação em atividades desportivas e sociais. A nível profissional, está demonstrado que a psoríase contribui para absentismo laboral, afeta as oportunidades de emprego e as perspetivas de carreira e associa-se a menor produtividade. Do ponto de vista económico, é de prever que a psoríase se associe a avultadas despesas pagas pelos doentes (consultas, tratamentos, produtos para cuidado da pele) e a sobrecarga financeira para o sistema de saúde.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.