Os tratamentos de PMA e o estado de emergência

“É provável que tenham sido suspensos entre 2 a 3 mil tratamentos” de PMA

Atualizado: 
21/08/2020 - 11:20
Ainda não é conhecido o real impacto da pandemia sobre os tratamentos de infertilidade, no entanto, em entrevista ao Altas da Saúde, José Cunha, especialista em Medicina de Reprodução, estima que tenham ficado por realizar cerca de 2 mil tratamentos. No regresso da atividade importa reforçar que “, todos os Centros de PMA para estarem a funcionar têm que dispor de todos os requisitos e condições de segurança, exigidos pela Direção Geral de Saúde”.

Embora a Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução (SPMR) ter recomendado a suspensão dos tratamentos de infertilidade para evitar gravidezes durante o período da pandemia da COVID-19, a Associação Portuguesa de Fertilidade veio sustentar que os procedimentos em curso deveriam continuar considerando, no entanto, essencial procurar respostas nas equipas médicas que estariam a acompanhar estes casos. Neste sentido, após estado de emergência, em que pé está a Medicina de Reprodução?

É importante recordarmos que a Sociedade de Medicina da Reprodução (SPMR), a 24 de Abril de 2020, emitiu um comunicado dirigido a todos os Centros que realizam tratamentos de Procriação Medicamente Assistida (PMA), recomendando que, uma vez revogado o estado de emergência nacional decretado a 18 de Março e face à evolução da pandemia em Portugal, estes podiam retomar de forma progressiva a sua atividade, incluindo os tratamentos de PMA. Embora alguns Centros, na realidade, nunca tenham interrompido o seu trabalho, a retoma da atividade na maioria deles começou a verificar-se gradualmente durante os meses de maio e junho de 2020, estando atualmente a situação normalizada.

No caso dos tratamentos que foram suspensos, como é possível voltar a tranquilizar os pacientes sobre este processo?

É possível tranquilizar os pacientes informando-os que, por um lado, todos os Centros de PMA para estarem a funcionar têm que dispor de todos os requisitos e condições de segurança, exigidos pela Direção Geral de Saúde (DGS), nomeadamente terem um plano de contingência bem estruturado que possa ser  aplicado em todos os momentos da sua atividade e não apenas  durante as  consultas ou tratamentos, de modo a diminuir o risco de exposição da sua equipa de profissionais e dos seus pacientes ao vírus da COVID-19.

Nestas condições é possível efetuar com confiança os procedimentos e as consultas presenciais, relembrando que estas últimas também podem ser realizadas via telefone, Skype, Zoom, Google meets, etc. Por outro lado, outro componente importante na tranquilização dos pacientes é dar-lhes informação atualizada, sobre as evidências científicas disponíveis a respeito da infeção, sua prevenção e possíveis riscos que se apliquem a todas as etapas do processo reprodutivo, incluindo a gravidez. Assim atualmente, embora haja poucos estudos conclusivos sobre a doença, pode-se afirmar que:

a) Não há ainda indicadores categóricos que digam que as mulheres grávidas sejam mais vulneráveis à infeção por este vírus (SARS-CoV-2) e às suas complicações do que a população em geral e que estudos publicados (a grande maioria em mulheres infetadas no 2º e 3º trimestre) apontam para uma evolução mais ou menos favorável da gestação. Contudo há peritos e entidades de saúde, como por exemplo, a CDC (“Centers for Disease Control and Prevention”), que afirmam que no caso das grávidas, poderá haver um risco maior de infeção devido a alterações fisiológicas e imunológicas induzidas pela gravidez, e que por esta razão devem merecer um cuidado especial;

b) Vários estudos têm apontado para um ligeiro aumento do risco de parto pré-termo em grávidas infetadas e para uma taxa de aborto entre 8% e 10%, dados que parecem apontar para uma evolução relativamente favorável da gravidez na COVID-19;

c)  Considerada pouco provável, foi descrita recentemente a transmissão vertical do vírus entre a grávida e o feto. No entanto a experiência na maioria dos casos em todo o mundo, é a de que os recém-nascidos de grávidas infetadas têm um bom prognóstico e seu estado de saúde não difere muito dos nascidos de grávidas não infetadas;

d) Por não ter sido identificado, até agora, o recetor específico que permite a este novo coronavírus entrar nas células, parece muito pouco provável que este vírus seja capaz de infetar os gâmetas (óvulos e espermatozoides) de pacientes com a doença, ou de contaminar estas células em Laboratórios de PMA e que atendendo ao rigor das regras de vigilância e atuação nestes laboratórios, relativamente a outros agentes infeciosos, é de pressupor que a contaminação laboratorial por este vírus seja muito difícil de acontecer.

Faz ideia de quantos tratamentos entraram em modo “suspensão” durante o período de pandemia?

Esse estudo está a ser atualmente realizado pelo CNPMA e nos próximos tempos saberemos com exatidão o número de tratamentos que foram suspensos durante este período. No entanto é possível efetuar uma hipotética extrapolação baseada no último relatório, publicado pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), relativo á atividade desenvolvida pelos Centros de PMA, que refere que foram realizados em Portugal, um total de cerca de 12 mil tratamentos, nas suas diferentes modalidades. Assim se pensarmos que a maioria dos Centros teve encerrada entre 2 a 3 meses, é provável que durante este período tenham sido suspensos, em Portugal, entre 2 mil a 3 mil tratamentos.

Agora que todos tentamos voltar a um novo normal, que tratamentos podem ser realizados? Que cuidados devem ser seguidos?

Podem ser realizados todos os tipos de tratamentos. Contudo, no sentido de garantir uma maior segurança, passou existir para todos os profissionais e pacientes intervenientes um código de conduta, que tem que ser cumprido escrupulosamente, no sentido de evitar exposições desnecessárias ao novo coronavírus, tanto no trabalho como na sua vida particular. Foram também introduzidas alterações aos protocolos utilizados, como por exemplo todos os pacientes, antes e durante os ciclos de tratamento, terem que responder, a questionários de autoavaliação sobre sintomas e sinais relacionados com a infeção pela COVID-19, ou terem que realizar o teste de diagnóstico do vírus antes de determinados procedimentos, como a realização da colheita de gâmetas ou da transferência de embriões, teste que sendo positivo obriga ao cancelamento do tratamento.

Tendo em conta a sua experiência, quais as principais dúvidas dos pacientes?

As principais dúvidas e preocupações dos pacientes dizem respeito ao desconhecimento das repercussões da infeção pelo SARS-CoV-2 sobre os embriões e gâmetas, bem como sobre a grávida e o feto.

Quais as principais recomendações para quem pensa em realizar um tratamento de PMA?

No meu ponto de vista, as principais recomendações para quem pensa realizar tratamentos nesta área da Medicina são:

O cumprimento responsável do distanciamento social e o cumprimento rigoroso de todas as regras exigidas pelos Centros de PMA, para a concretização em segurança do tratamento, como a utilização de material de proteção individual, a desinfeção frequente das mãos e sempre que seja solicitada, o cumprimento da etiqueta respiratória, a realização de testes de rastreio da infeção sempre que necessário, entre outras.

Embora a decisão de tentar conceber seja inteiramente pessoal, ela precisa ser tomada com base no estado de saúde de cada pessoa, nas condições locais, isto é, no estado da pandemia em determinada região e deve ser sempre alicerçada numa cuidadosa análise da relação custo-benefício de cada caso concreto.

 

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
AVA Clinic