Entrevista

Dra. Maria João Cruz: "Doentes com psoríase reportam frequentemente baixa-autoestima"

Atualizado: 
22/03/2022 - 14:57
Em 2016 a Organização Mundial de Saúde (OMS) sublinhou que “demasiadas pessoas em todo o mundo sofrem desnecessariamente” com a Psoríase. O “diagnóstico tardio ou incorreto, tratamento inadequado, dificuldades de acesso ao tratamento e estigmatização social” estão na origem do impacto negativo que a doença tem na qualidade de vida dos doentes, aponta Maria João Cruz, Assistente Hospitalar Graduada em Dermatologia do Centro Hospitalar e Universitário de São João e Assistente da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, em entrevista ao Atlas da Saúde. Felizmente, sublinha, temos vindo a assistir, nos últimos anos, a uma mudança neste paradigma graças a um maior conhecimento e consciencialização para a patologia.

Considerada uma doença sistémica, estima-se que a psoríase afete cerca de 300 mil portugueses. Uma vez que ainda é mal compreendida, começo por lhe perguntar que doença é esta e a que sinais devemos estar atentos?

A psoríase é uma doença crónica inflamatória, multissistémica e recorrente, que afeta a pele e/ou articulações e está associada a várias comorbilidades. A sua etiologia é multifatorial, resultando de uma combinação de fatores imunológicos, genéticos e ambientais. Atendendo a que é uma doença que se apresenta sob diversas variantes clínicas, não podemos esperar um sinal específico. No entanto, sendo a psoríase em placas a forma mais comum, a placa eritematosa com escama espessa aderente é o sinal mais frequente.

A partir de que idade podem surgir as primeiras manifestações da doença? Quais as faixas etárias mais atingidas?

A psoríase pode manifestar-se em qualquer faixa etária, mas é pouco comum abaixo dos 10 anos de idade. Manifesta-se mais frequentemente entre os 15 e os 30 anos.

Que tipos de psoríase existem? Quais os mais frequentes?

Os diversos tipos de doença são classificados em função do aspeto, da forma e da distribuição das lesões. Os principais são: em placas ou vulgar (observada em 90% dos casos), gutata, inversa ou flexural, palmo-plantar, ungueal, artropática (ou artrite psoriática) e sebopsoríase (psoríase do couro cabeludo). Formas mais raras são a psoríase eritrodermica e a psoríase pustulosa. Todas estas variantes podem manifestar-se com gravidade variável. No mesmo doente frequentemente objetivamos mais do que um tipo de doença.

Apesar das causas exatas ainda permanecerem desconhecidas, quais os fatores de riscos associados a esta doença? O que pode ativar ou agravar os sintomas da doença?

O principal fator de risco identificado é a suscetibilidade genética. Outros fatores como a obesidade, o tabagismo, as infeções estreptocócicas, alguns fármacos e o stress foram associados a formas mais graves de doença ou identificados como fatores precipitantes em doentes geneticamente predispostos.

Quais as principais complicações e/ou comorbidades mais comuns da psoríase?

Doentes com psoríase têm, igualmente, risco aumentado para diversas comorbilidades, nomeadamente doença cardiovascular, artrite reumatóide, doença inflamatória intestinal, linfoma de Hodgkin e linfoma cutâneo de células T.

As complicações cardiovasculares são as mais comuns: doentes com psoríase detêm um risco aumentado de morbilidade e mortalidade por eventos cardiovasculares, particularmente os doentes com psoríase mais grave e de curso mais prolongado. Vários estudos têm demostrado que o grau de inflamação vascular se correlaciona diretamente com a extensão da doença e a inflamação cutânea.

Qual o impacto da doença na qualidade de vida e na saúde mental de quem convive com a psoríase?

A psoríase é sem dúvida uma doença com um enorme impacto na qualidade de vida dos doentes e dos seus conviventes. O aparecimento da psoríase representa, efetivamente, uma mudança drástica na vida da pessoa. Além do desconforto físico associado ao prurido e à dor causados pelas lesões, o que mais afeta os doentes é a forma como os outros os veem e como se veem na sua própria pele.

Doentes com psoríase reportam frequentemente baixa-autoestima, vergonha, sensação de rejeição social, dificuldades no relacionamento sexual, sintomas de ansiedade e depressão.

Qual o seu tratamento? Que opções terapêuticas se encontram disponíveis? E quais os principais desafios quanto a esta matéria?

Felizmente, hoje dispomos de uma enorme variedade de opções terapêuticas que devem ser ajustadas à gravidade da doença e ao impacto que esta tem na qualidade de vida do doente. A terapêutica tópica é utilizada isoladamente em formas ligeiras de doença ou como coadjuvante da fototerapia ou da terapêutica sistémica no tratamento de formas moderadas a graves.

A fototerapia (exposição das lesões a fontes artificiais de radiação ultravioleta) é uma terapêutica muito eficaz na maioria dos doentes, no entanto, nem sempre é exequível uma vez que obriga à deslocação regular do doente a uma unidade médica que disponha destes aparelhos.

Os tratamentos sistémicos são reservados para casos mais graves e/ou com elevado impacto na qualidade de vida do doente e dividem-se em terapêuticas convencionais e terapêuticas biológicas. O tratamento com os fármacos convencionais implica um acompanhamento médico e analítico regular pelo elevado risco de efeitos secundários e pelo significativo efeito imunossupressor.  Com este tipo de terapêuticas, cerca de 30% doentes experimentam perda de eficácia, efeitos laterais, resposta ausente ou insuficiente. Neste contexto surgem os fármacos biológicos que resultam dos avanços no conhecimento da fisiopatologia da doença. Estes fármacos oferecem regimes de tratamento mais direcionados, mais bem tolerados, com uma maior eficácia e um melhor perfil de segurança, o que se repercute positivamente na qualidade de vida dos doentes.

No que diz respeito ao impacto desta doença na saúde mental dos doentes, é fácil estes acederem a acompanhamento adequado? O que falha?

No seu relatório de 2016, a Organização Mundial de Saúde (OMS) sublinhou que demasiadas pessoas em todo o mundo sofrem desnecessariamente da doença, devido a diagnóstico tardio ou incorreto, tratamento inadequado, dificuldades de acesso ao tratamento e estigmatização social. Felizmente nos últimos anos temos assistido a uma mudança neste paradigma: os avanços no conhecimento fisiopatológico da doença, a sua divulgação através de múltiplas iniciativas da comunidade médica e das associações de doentes com o apoio dos media, têm levado ao aumento da consciencialização social da doença e, consequentemente, a diagnósticos mais precoces e a terapêuticas bem sucedidas que permitem reduzir o impacto que esta patologia tem na qualidade de vida e consequentemente na saúde mental destes doentes. Ainda assim o reconhecimento de sinais ou sintomas de doença mental/sofrimento psicológico é sempre função do médico dermatologista que acompanha o doente e que deve referenciar a consulta de psiquiatria.

Que mitos ou estigmas ainda persistem quanto a esta doença?

Embora cada vez menos, ainda existem alguns estigmas, preconceitos e falsas crenças: ser uma doença contagiosa, ser uma doença que implica falta de higiene e desleixo, são os principais.

Após o diagnóstico, que cuidados deve o doente ter?

Após o diagnóstico o doente deve iniciar ou manter seguimento regular no seu médico dermatologista, de forma a ajustar o tratamento à gravidade da doença, às suas preferências, ao impacto na sua qualidade de vida, ao possível diagnóstico de comorbilidades e a todas as outras particularidades individuais que esta acarreta. É fundamental que exista uma relação empática e de confiança de forma a garantir o sucesso terapêutico a todos os níveis.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.