Cuidados Paliativos em Portugal - a urgência da sua priorização. Hoje!
Cientificamente está provado que estes cuidados aumentam a qualidade de vida, podem ter um impacto positivo no tempo de vida, aumentam a satisfação e segurança do doente e da família, reduzem custos dos sistemas de saúde, havendo por parte da Organização Mundial de Saúde um incentivo formal ao seu desenvolvimento em todos os países.
Seria expectável, por isso, que, nove anos após a publicação da Lei de Bases dos Cuidados Paliativos já não fosse preciso explicar tudo isto, diariamente e em diferentes contextos. Mas é!
Apesar de todo o conhecimento científico e enquadramento legal no nosso país, os Cuidados Paliativos continuam a estar inacessíveis a muitos doentes e famílias, pois não estão "democratizados de forma natural" nos serviços de saúde.
No Parlamento ouve-se falar de Cuidados Paliativos como uma escolha, ao lado de outras opções para a forma de morrer. Isto apenas tem um significado: falta de cultura paliativa. Falta de literacia sobre esta matéria.
Não existe nenhum contexto de prestação de cuidados de saúde onde não haja doentes com necessidades paliativas, por isso, seria de esperar também que todas as faculdades que formam profissionais de saúde tivessem nos seus currículos de formação pré-graduada uma unidade curricular de cuidados paliativos. Mas isso ainda está longe de ser uma realidade.
Se em Portugal já existem excelentes equipas e excelentes exemplos de bom trabalho? Sim, mas o acesso a cuidados de saúde adequados às pessoas com necessidades paliativas não se resolve apenas com existência de equipas no "terreno" e unidades de Cuidados Paliativos. É preciso que essas equipas e as que venham a ser criadas sejam
dotadas de recursos humanos altamente especializados na área e em número suficiente, porque estas equipas vão prestar cuidados a doentes e famílias em situação complexa e vão prestar assessoria a outros colegas que nos hospitais, na comunidade, nas instituições sociais prestam cuidados diretos aos doentes com necessidades paliativas.
Para a Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, a preocupação está centrada na necessidade de sensibilizar a população, os profissionais e os decisores para a importância dos Cuidados Paliativos e para a necessidade de uma estratégia de desenvolvimento dos Cuidados Paliativos que cumpra a lei e que garanta a equidade de acesso a todos os cidadãos, e assegure a competência de todos os profissionais na identificação de doentes, na adequação de cuidados e na articulação atempada e eficaz com as equipas especializadas.
Após a Lei de Bases de 2012, existiram dois Planos Estratégicos para o Desenvolvimento dos Cuidados Paliativos. Estes documentos apresentavam a planificação com base numa realidade de quase ausência deste tipo de cuidados, em quase todo o lado. Essa foi a explicação da Comissão Nacional de Cuidados Paliativos cessante para o facto de muitos objetivos serem colocados pelos mínimos e alguns abaixo dos mínimos. Mas mesmo esses objetivos, mínimos, não foram cumpridos.
Estamos muito longe do acesso garantido a Cuidados Paliativos por parte de todos os cidadãos que deles necessitem. Estima-se que apenas 20% dos doentes adultos com necessidades paliativas tenham acesso a estes cuidados e que menos de 5% dos doentes pediátricos tenha hoje acesso a estes Cuidados, absolutamente fundamentais ao longo da vida da criança com doença incapacitante. Tantas vezes uma situação que se mantém ao longo de muitos anos.
Não falta fazer tudo, mas é preciso um investimento urgente e consequente. Não podemos continuar com doentes em sofrimento não prevenido, não tratado. Não podemos continuar a compactuar com a existência de tantas pessoas com doença incapacitante e avançada sem acesso a cuidados de saúde adequados, a consultas onde são abordados os vários temas fundamentais, incluindo as decisões sobre a sua vida e as diretivas antecipadas de vontade. Não podemos aceitar que tantas pessoas se encontrem em situação de doença avançada e dependência a quem não sejam assegurados cuidados de saúde promotores de dignidade, incluindo um plano avançado
de cuidados que impeça o caminho da obstinação terapêutica, definida na Lei de Bases dos Cuidados Paliativos como má prática clínica.
Não falta fazer tudo, mas no último ano "andámos para trás". Quando infelizmente muitas pessoas ficaram repentinamente em situação de enorme sofrimento decorrente de uma doença que em tantos casos foi fatal (Covid 19), o SNS não garantiu cuidados de saúde adequados ao fim de vida. Ficaram ainda mais evidentes as falhas ao nível de acesso a equipas especializadas e, de forma absolutamente incompreensível, houve serviços de cuidados paliativos que reduziram a sua capacidade assistencial. Algumas Unidade de internamento, inclusivamente, fecharam.
Os cidadãos e os políticos estão pouco informados sobre a necessidade urgente e absolutamente essencial em existirem Cuidados Paliativos acessíveis a todos. Os próprios profissionais de saúde não os encaram dessa forma.
Só verdadeiramente compreende esta necessidade quem alguma vez já a sentiu na pele e percebeu a diferença entre ter ou não cuidados de saúde adequados. O que não deveria ser preciso! Daí que, não raras vezes, nos cheguem inúmeros testemunhos de doentes e famílias que perguntam "porque não chegaram à nossa vida mais cedo?"
Caros concidadãos, enquanto presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos e enfermeira a trabalhar nesta área todos os dias, digo-vos: por favor, juntem-se a nós nesta causa que é de Todos. Diz respeito a Todos. Não é possível passar pela vida sem precisar de Cuidados Paliativos em algum momento, ou em vários, para nós ou para aqueles de quem cuidamos.