Consequências da menopausa na saúde oral da mulher
Todas as mulheres estão sujeitas aos sintomas da menopausa a partir de determinado momento nas suas vidas. Estima-se que a idade média em que ocorre a menopausa espontânea na população feminina portuguesa ronde os 48 anos de idade.
Este processo normal e biológico assinala o fim da fertilidade na mulher e provoca alterações metabólicas importantes, como a diminuição da secreção de estrogênios e as consequentes alterações, quer precoces, quer tardias.
Nas manifestações tardias destacam-se, neste caso, entre outras, as alterações ósseas.
A carência de estrogénio traduz-se num aumento precoce da osteoporose, com uma redução acentuada da densidade óssea. Isto deve-se a um aumento do metabolismo de reabsorção óssea e à diminuição da fixação de cálcio no osso. Pode detetar-se através de marcadores de atividade óssea (fosfatase alcalina).
Os Bifosfonatos são medicamentos usados no tratamento da osteoporose e em algumas complicações de cancros sólidos, mielomas múltiplos e de doença de Paget.
As indicações destes fármacos são para o tratamento de patologias ósseas onde há uma grande atividade osteoclástica, osteogénese imperfeita, displasia fibrosa, metástases ósseas de cancros como o do pulmão, da mama e da próstata (no caso dos homens), entre outros.
A remodelação óssea (turnover ósseo) é regulada pelo controlo dos osteoblastos (células responsáveis pela formação de osso) e osteoclastos (células responsáveis pela reabsorção óssea).
Esta remodelação ocorre no esqueleto e é ativada pela resposta à tensão mecânica, osteócitos (células mecano-sensitivas especializadas) que residem na matriz óssea que detetam a tensão mecânica e iniciam vias de sinalização promovendo tanto a osteoblastogenese como a osteoclastogenese na formação de osso novo.
Os Bifosfonatos estão indicados para prevenir a diminuição da densidade óssea e o consequente risco de fraturas através da inibição do processo de reabsorção óssea. O seu uso tem como finalidade aumentar a qualidade de vida dos pacientes que sejam portadores desta patologia, podendo ser administrados por via oral, em comprimidos ou na forma intravenosa.
As repercussões ao nível da saúde oral são importantes e muito significativas podendo potenciar ou provocar osteonecrose óssea, também denominada osteonecrose dos maxilares, na qual estes apresentam diversas alterações estruturais associadas ao uso dos bifosfonatos.
Esta doença caracteriza-se por um conjunto de sinais e sintomas, nomeadamente, edema, dor, eritema, exsudado da mucosa, ulcerações dos tecidos moles, supuração, presença de fístulas e mobilidade dentária.
A necrose óssea apresenta uma progressão evolutiva que na maioria das vezes leva ao comprometimento da higiene oral e, consequentemente, ao aumento dos focos infeciosos, que, por si só, aumentam as zonas de necrose e a mobilidade e perda das peças dentárias.
Apesar da etiopatogenia da osteonecrose dos maxilares não ser ainda completamente compreendida, considera-se que esta pode ser atribuída às alterações vasculares locais e à desregulação do processo de remodelação óssea associadas à toma destes fármacos.
A via de administração dos bifosfonatos é um fator importante para a absorção do fármaco. Sabe-se que os bifosfonatos administrados de forma endovenosa, em comparação com os administrados por via oral, são mais potentes e utilizados com maior frequência em pacientes oncológicos. São também os que apresentam maior risco de osteonecrose associada ao seu uso.
Num procedimento cirúrgico, pacientes que tomam bifosfonatos há mais de 3 anos ou que associem o seu uso ao uso de corticóides devem descontinuar a sua utilização três meses antes e três meses depois.
A alta afinidade ao osso permite que os bifosfonatos atinjam altas concentrações ao longo de todo o esqueleto, com especial atração pelos maxilares devido ao excelente aporte sanguíneo, promovendo um turnover ósseo rápido que, em conjunto com o facto de existirem dentes e ligamento periodontal, faz com que ocorra constante remodelação óssea por estimulação.
A história clínica do paciente, o exame clínico e exames complementares de diagnóstico são a chave para o diagnóstico da doença. Exames radiográficos e imagiológicos como a tomografia computadorizada (CT), o cone bean CT (CBCT), cintigrafia óssea, ressonância magnética, radiografias intraorais e panorâmicas (ortopantomografia) permitem e auxiliam o diagnóstico, orientando o tratamento, controlando e monitorizando os resultados. É fundamental que este acompanhamento regular do paciente seja efetuado pelo Médico Dentista.
Todos os pacientes devem ser inquiridos acerca do tipo de toma atual ou pregressa de bifosfonatos, sendo que os que estão sujeitos a administração intravenosa apresentam maior risco do que aqueles que fazem administração oral.
Pacientes que ainda não tenham iniciado terapia com bifosfonatos devem ser observados previamente para que os tratamentos dentários sejam realizados antes de iniciarem a toma do medicamento. Dentes que não apresentem viabilidade de recuperação devem ser extraídos, o tártaro, especialmente o subgengival, deve ser removido, e as próteses mal-adaptadas devem ser substituídas para evitar traumas ao nível dos tecidos moles.
Pacientes que já tenham iniciado terapia com bifosfonatos devem optar por tratamentos menos invasivos e mais conservadores, considerando que extrações ou intervenções cirúrgicas aumentam substancialmente o risco de desenvolver osteonecrose óssea.
A importância de uma boa higiene oral, incluindo visitas regulares ao seu Médico Dentista, é indispensável para que a osteonecrose seja detetada numa fase inicial, de forma a debelar e atrasar o mais rapidamente possível as complicações inerentes e a consequente progressão da doença.
A osteonecrose dos maxilares apresenta diversos estádios, com distintos sinais e sintomas podendo mesmo ser assintomática numa fase inicial.
O tratamento efetua-se com recurso a antimicrobianos orais (elixires e géis) e à toma de antibióticos. São usadas na terapêutica intervenções cirúrgicas específicas o menos invasivas possível para a remoção de tecido ósseo necrótico, sendo, no entanto, questionáveis e a última opção de escolha, considerando o estádio da doença e a sua gravidade.
As primeiras descrições da osteonecrose maxilar associada à toma de bifosfonatos datam de 2002. Desde essa altura que se tem tentado esclarecer o mecanismo de ação desta patologia, assim como os fatores etiológicos associados.
Os estudos realizados permitem estabelecer formas de diagnóstico e critérios que possam permitir uma identificação e medidas ao nível da prevenção e do tratamento.
Apesar de a fisiopatologia da doença não ser totalmente conhecida considera-se que a sua origem poderá ser multifatorial.
O aparecimento da osteonecrose maxilar é muitas vezes precedido de tratamentos dentários pouco invasivos ou cirurgias mais simples, como por exemplo uma exodontia, e é fundamental a elaboração de uma história clínica rigorosa e a atualização da existente, no caso de pacientes com histórico na clínica.
É fundamental que o Médico Dentista apresente conhecimento acerca da variedade de fatores de risco, sejam eles predisponentes ou preventivos.
A comunicação entre o Médico Dentista e o paciente também é fundamental através da história clínica completa e da passagem de informação ao paciente, para que este tenha o conhecimento dos riscos associados a esta situação. Deve estabelecer-se um contacto com o Médico Assistente a fim de se efetuar uma terapêutica preventiva antes mesmo dos pacientes iniciarem a toma regular destes fármacos.
Em suma, a prevenção é sem dúvida alguma o fator mais importante para evitar a osteonecrose maxilar associada à toma de bifosfonatos. As condições atuais são propícias ao aparecimento desta patologia, devido à alteração hormonal associada à menopausa. A descrição deste tipo de doença tem aumentado de forma significativa com consequências graves nalguns casos.
Dr. Fernando Silva - Médico Dentista
Diretor clínico das clínicas INFACE