Citomegalovírus: um vírus que prevalece
Reconhecido como um dos vírus mais prevalentes na espécie humana, o CMV tem uma distribuição mundial, sendo que em Portugal cerca de 80% da população já teve contacto com o vírus. A transmissão viral ocorre sobretudo nos primeiros anos de vida, através de gotículas respiratórias ou contato com fluídos corporais (e.g. urina, saliva, leite materno, lágrimas). Pode ainda ser adquirido por via transplacentar (materno-fetal) ou hematógena (transfusão de produtos sanguíneos ou transplantação).
O potencial patogénico do CMV varia de acordo com a imunidade do hospedeiro. Num indivíduo imunocompetente a primeira-infeção é geralmente assintomática ou pode cursar com um quadro clínico semelhante a síndrome gripal, com febre, fadiga, dores musculares e mal-estar geral. Os sintomas são o resultado de uma resposta imunológica eficaz, que é confirmada pela presença de anticorpos específicos no sangue periférico, identificando o indivíduo como portador.
Após infeção, o vírus não é totalmente eliminado e permanece latente (“adormecido”) em determinadas células. O vírus latente pode reativar de forma intermitente, a maioria das vezes sem causar sintomas. Dada a baixa incidência de infeção grave no doente imunocompetente, não existe qualquer recomendação terapêutica além da prevenção primária, que passa pelo reforço das medidas de higiene e evicção de contato com possíveis infetados.
Num indivíduo imunocomprometido, nomeadamente num doente transplantado, doente com SIDA ou recém-nascido com infeção congénita, a reativação por CMV pode cursar com doença grave, com envolvimento multiorgânico, nomeadamente gastrointestinal, pulmonar, ocular e cerebral.
No caso particular dos doentes submetidos a transplante de progenitores hematopoiéticos/medula, a quimioterapia intensiva e a terapêutica imunossupressora realizada como profilaxia da doença de enxerto contra hospedeiro, condiciona perda da imunidade específica para o vírus. Esta perda de imunidade facilita a reativação viral, que ocorre frequentemente, e o desenvolvimento de doença, que está associada a um aumento da mortalidade. Nestes doentes as medidas de prevenção primária não são suficientes, pelo que se recomenda uma abordagem pré-emptiva, que consiste na pesquisa regular de DNA viral no sangue periférico. Embora esta medida permita a identificação e o início precoce de terapêutica antiviral, é limitativa nos casos raros de doença especifica de órgão, em que a doença se desenvolve sem virémia. Aqui é necessário um elevado índice de suspeição e realização de biópsia diagnóstica.
Os fármacos antivirais disponíveis na prática clínica apresentam uma resposta geralmente eficaz. Contudo, no caso de falência terapêutica, as alterativas existentes são escassas, resultando numa menor sobrevivência. Recentemente foi aprovado o letermovir, o primeiro fármaco utilizado na profilaxia da reativação e da doença por CMV nos doentes com alto risco. Esta estratégia preventiva do CMV é uma novidade na área da transplantação, que visa ultrapassar a morbilidade e mortalidade condicionada pela infeção viral, em determinados doentes.
Autores:
Dra. Ana C. Alho - MD, MSc, PhD candidate
Assistente Hospitalar de Hematologia Clínica
Hospital de Santa Maria | Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, EPE