Opinião | Cristina Jorge, Presidente da SPT

Celebrar a Vida: O Papel dos Hábitos Saudáveis e da Inteligência Artificial no Sucesso da Transplantação

Atualizado: 
23/07/2024 - 14:41
O Dia Nacional da Doação de Órgãos e da Transplantação (DNDOT) é celebrado a 20 de julho, uma data que marca um momento histórico na medicina em Portugal. Foi neste dia, há 55 anos, em 1969, que o Professor Linhares Furtado liderou a primeira equipa a realizar um transplante renal de dador vivo no país. Este marco simboliza tanto o progresso científico, quanto a solidariedade e a dádiva de vida que a doação de órgãos representa.

Desde então, a atividade da transplantação em Portugal, tem sido um marco de sucesso. Portugal tem estado nos lugares cimeiros, a nível mundial, nos números de colheitas e transplantes em dadores falecidos. Em 2023, de acordo com o registo do IRODAT 1, Portugal foi o terceiro país a nível mundial tanto em colheitas de órgãos como em transplante renal de dador falecido, por milhão de habitantes. Este é um feito extraordinário que reflete o empenho e a dedicação de todos os profissionais de saúde, dadores e outros colaboradores que contribuem para esta causa.

Os objetivos da criação do DNDOT são sensibilizar a população para a importância da doação de órgãos, reconhecer o altruísmo dos dadores e suas famílias, agradecer aos profissionais de saúde e todos os envolvidos nesta atividade, e promover a discussão sobre os avanços e desafios na área da transplantação. Este ano, o tema “Celebrar a Vida: Transplante, Desporto e Inovação para um futuro saudável” destaca a importância da atividade física e da inteligência artificial (IA) no sucesso da transplantação.

Hábitos Saudáveis: Pilar Fundamental para o Sucesso

Os hábitos de vida saudáveis, importantes para todos nós, são essenciais para a recuperação e qualidade de vida dos transplantados. A prática regular de exercício físico, uma alimentação equilibrada, a gestão do stress e um sono de qualidade são fatores determinantes para o sucesso de um transplante. Estes hábitos não só fortalecem o sistema imunológico, como também ajudam na recuperação pós-operatória e na prevenção de complicações.

A prática de desporto, melhora a capacidade cardiovascular e a resistência física, fatores cruciais para a recuperação de um doente transplantado. Além disso, uma alimentação rica em nutrientes essenciais contribui para um bom estado nutricional, o que é essencial nos processos de cicatrização e na luta contra infeções.

Inteligência Artificial: Inovação ao Serviço da Saúde

A inteligência artificial está a revolucionar a medicina, e a área da transplantação não é uma exceção. A IA pode ser uma poderosa ferramenta em várias etapas do processo de transplante. Desde a deteção precoce de lesões nos órgãos, a sinalização de possíveis dadores, a melhoria da qualidade dos órgãos colhidos, passando pela avaliação da compatibilidade entre dador e recetor, até à prevenção da rejeição dos órgãos transplantados.

Por exemplo, algoritmos de IA podem analisar grandes volumes de dados clínicos para identificar padrões que indicam a necessidade de um transplante antes que a doença evolua e se torne irreversível. Além disso, a IA pode otimizar a seleção de dadores, ajudando na sua sinalização a nível hospitalar e ainda, aumentando a precisão na compatibilidade dador-recetor, com consequente redução do risco de rejeição.

No pós-transplante, a IA pode ajudar os médicos a monitorizar o estado de saúde dos doentes, alertando-os para qualquer anomalia que possa indicar uma rejeição ou complicação. Pode ainda ser usada para personalizar o tratamento de cada doente após o transplante, propondo ajustes da dosagem de medicamentos imunossupressores e outros protocolos de acordo com suas características individuais.

Esta possibilidade de monitorização constante permitirá intervenções rápidas e eficazes, melhorando significativamente as taxas de sucesso da transplantação.

Desafios e Oportunidades

Apesar dos avanços, ainda enfrentamos desafios significativos. Continuamos a ter doentes nas listas de espera para transplante e a enfrentar a escassez de órgãos. Em 31 de dezembro de 2023, cerca de 1900 doentes aguardavam por um transplante renal. Precisamos de mais profissionais, melhores equipamentos e maior investimento nesta área. A evolução da tecnologia e da medicina tem permitido transplantar órgãos que anteriormente seriam descartados, utilizando processos de recondicionamento que melhoram a sua qualidade. Contudo, estes avanços tecnológicos ainda não estão implementados no terreno em todos os órgãos, como gostaríamos.

À semelhança do que ocorre noutros países, a possibilidade de colheita de órgãos em dadores em paragem cardiocirculatória controlada também poderá ajudar a expandir os órgãos disponíveis para transplante. Este tipo de doação refere-se a dadores que, em internamento hospitalar e em situações de fim de vida, sofrem uma paragem cardíaca irreversível, mas que não cumprem os critérios de “morte cerebral”, apesar de terem efetivamente falecido.

No que diz respeito ao acesso ao transplante e ao seguimento dos transplantados, há aspetos que precisam de ser melhorados. Por exemplo, a possibilidade de realização de exames aos candidatos a transplante e doentes transplantados em locais diferentes da Unidade Hospitalar onde são seguidos, próximos do seu local de residência, bem como a promoção e operacionalização do seu acompanhamento por vídeo ou teleconsultas, de forma a facilitar as suas condições de avaliação, assistência e qualidade de vida. Estas medidas trariam benefício também em termos de sustentabilidade ambiental, permitindo poupar múltiplas viagens aos doentes que residem a longas distâncias das referidas unidades de transplante.

Conclusão

A combinação de hábitos saudáveis e inteligência artificial representa um avanço significativo no campo da doação e transplantação de órgãos. Enquanto os hábitos saudáveis fortalecem o corpo e aceleram a recuperação, a IA poderá proporcionar precisão e eficiência em todas as etapas do processo do transplante. Isso, sem dispensar, em momento algum, a ação humana. Juntos, estes fatores não só aumentarão as taxas de sucesso, como também podem melhorar a qualidade de vida dos doentes transplantados, permitindo-lhes celebrar a vida com saúde e vitalidade.

 
Autor: 
Cristina Jorge - Presidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT)
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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