Entrevista | Prof. António Araújo

Cancro do Pulmão: falta de consciencialização e dificuldade de acesso a médicos e exames condicionam diagnóstico

Atualizado: 
01/08/2022 - 10:00
Com uma incidência que não para de aumentar, o Cancro do Pulmão é a principal causa de morte por doença oncológica em Portugal. No entanto, continuamos pouco despertos para esta patologia. No âmbito da campanha “O Cancro do Pulmão não tira férias”, o Professor António Araújo, Diretor do Serviço de Oncologia Médica do Centro Hospitalar Universitário do Porto, revela que esta falta de «awareness» sobre a doença é transversal a toda a população, mesmo na comunidade médica. Os diagnósticos chegam assim, quase sempre, tardiamente. A dificuldade no acesso a consultas e meios de diagnóstico também têm vindo a contribuir para este panorama.

O cancro do pulmão, quase sempre, diagnosticado em fases muito avançadas, é responsável por cerca de 16,5% das mortes relacionadas com cancro, sendo considerado um dos tipos de cancro com maior incidência e com elevadas taxas de mortalidade no nosso país. Assim sendo, começo por perguntar o que está a falhar para que continue a persistir atrasos no seu diagnóstico?

Continuam a persistir atrasos no diagnóstico do cancro do pulmão por dois motivos. O primeiro por falta de consciencialização (awareness) da população sobre esta patologia e, muitas vezes, dos próprios médicos de Medicina Geral e Familiar. Este cancro simula, em termos de sintomas e sinais, doenças muito frequentes e benignas, tais como as infeções respiratórias ou as agudizações da doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), pelo que se suspeita sempre destas em primeiro lugar e apenas se não respondem ao tratamento(s) instituído(s) então pensa-se na possibilidade de poder ser um cancro.

O segundo motivo está relacionado com o modo de funcionamento das instituições, com a dificuldade que o cidadão tem em aceder ao seu médico de família, em realizar os primeiros exames solicitados, em ser referenciado para uma consulta de especialidade e, finalmente, em realizar o diagnóstico e estadiamento nos hospitais.

Considera que a população está devidamente esclarecida quanto a esta doença? A que sinais de alerta devemos estar atentos?

Tal como já afirmei, existe uma falta de literacia em saúde transversal a quase toda a população e, mais ainda, uma falta de consciencialização acerca do que é e como se pode manifestar o cancro do pulmão.

Este tem como sinais de alerta principais o surgimento, agravamento ou alteração das características de falta de ar, de tosse ou expetoração, ou o aparecimento de dor torácica.

Apresentando, por vezes, sinais inespecíficos, com que outras patologias respiratórias se pode confundir?

As patologias respiratórias com que se pode confundir são, mais frequentemente, com infeções respiratórias ou agudizações de DPOC pré-existente. Mas pode, ainda, ser confundido com uma tuberculose pulmonar ou um trombo-embolismo pulmonar.

No que diz respeito aos fatores de risco, embora o tabagismo esteja frequentemente associado ao desenvolvimento do cancro do pulmão, existem outros fatores que podem condicionar o seu desenvolvimento. Que fatores são estes? Quem está em risco? Só os fumadores e os mais idosos?

O tabaco é o principal fator de risco. Assim, o tabagismo em “segunda mão” – permanecer num ambiente onde se fuma e respirar esse fumo que foi expelido por um fumador, é também um fator de risco muito importante. Depois existem outras causas, como o rádon (gás radioativo, incolor e inodoro, que existe, por exemplo, no granito), a exposição a fibras de amianto e a outras fibras de asbestos. Assim, não é uma doença só de fumadores, cerca de 25-30% de todos os cancros do pulmão ocorrem em não fumadores. A idade de maior incidência é na 5ª e 6ª décadas de vida, mas atinge todas as idades a partir dos 30 anos.

Que tipos de cancro do pulmão existem e, destes, quais os que apresentam um melhor prognóstico?

O cancro do pulmão pode ser dividido em carcinoma de pequenas células (cerca de 12-15% do total) e carcinoma de células não pequenas (cerca de 85-88% do total). Este último tipo subdivide-se, principalmente, em adenocarcinoma (50%), carcinoma epidermoide (40%), carcinoma de grandes células (5%) e carcinoma misto adenoescamoso (3%). Mas estes são melhor caracterizados através da realização de sequenciação genética dos tumores e avaliação da presença, ou não, de mutações genéticas para as quais, atualmente, temos medicamentos inibidores das suas vias de ativação. No caso de estas não estarem presentes, então determinamos o nível de expressão de PD-L1, um recetor transmembranar das células tumorais e dos linfócitos, para nos guiar no uso da imunoterapia.

Os tumores que apresentam melhor prognóstico normalmente são os dos não fumadores, porque mais frequentemente têm apenas uma única mutação que é responsável pelo desenvolvimento do tumor.

Como é feito o seu diagnóstico? E quais os principais desafios associados?

O diagnóstico do cancro do pulmão é feito através da biópsia do tumor. Esta pode ser realizada através da broncofibroscopia, particularmente quando o tumor é mais central, ou por radiologia de intervenção guiada por TAC, nas lesões mais periféricas.

O estadiamento, a avaliação do grau de desenvolvimento do tumor, faz-se por TAC e/ou por PET-Scan (tomografia por emissão de positrões). Esta última é usada sobretudo em estádios em que se pensa poder realizar um tratamento curativo. Complementa-se estes exames, com TAC ou RMN cerebral, para despiste de metástases cerebrais, e com EBUS (citologia de gânglios do hilo e do mediastino por ecografia endobrônquica).

Os desafios no diagnóstico prendem-se com a existência de massas pulmonares em localizações difíceis de biopsar ou em doentes com lesões pulmonares, por exemplo de DPOC concomitante, que elevam o risco de complicações provocadas pela biópsia a um nível não aceitável.

Como se trata o cancro do pulmão e quais as grandes novidades nesta área?

Se for num estadio inicial, a principal arma é a cirurgia, hoje realizada preferencialmente através de vídeo-toracoscopia, com uma baixa taxa de complicações e um internamento curto. Para um doente em que a cirurgia esteja contraindicada, a radiocirurgia pode ser a solução.

Se o doente se apresentar com uma doença avançada loco-regionalmente, o que se propõe é a realização de radioterapia com quimioterapia concomitantes, seguido de um tratamento de imunoterapia durante um ano.

Se estamos perante uma doença metastática, primeiro temos de saber qual tipo histológico, depois se existe mutação genética do tumor e, por fim, qual a expressão do PD-L1. Porque, a primeira opção de tratamento será a utilização de inibidores da tirosina cínase dirigido a uma mutação genética que possa estar presente. Na ausência destas, se a expressão de PD-L1 for superior a 50%, poderá utilizar-se a imunoterapia. Se esta expressão for inferior a 50%, poderemos propor uma combinação de quimioterapia com imunoterapia.

E é o tratamento com imunoterapia o maior avanço terapêutico deste século. Pois, pela primeira vez, não atuamos diretamente no tumor, vamos modelar o sistema imunológico do doente, para que seja este a controlar o cancro. Se com a terapia dirigida a alvos terapêuticos estamos a personalizar o tratamento do cancro do pulmão, com a imunoterapia é todo um paradigma diferente e que permite vir a combinar com outros tratamentos já existentes e, no futuro, personalizar também esta área.

O que pode condicionar o sucesso do tratamento?

Primeiro, a realização de um correto diagnóstico e estadiamento do tumor, assim como é fundamental conhecer o resultado da sequenciação genética e a expressão de PD-L1, para que se escolham os tratamentos de forma correta.

Em segundo lugar, é importante que o doente consiga manter-se em boas condições físicas e psicológicas. Isto é, que realize uma alimentação saudável, que ingira 1-1,5 litros de água, que pratique exercício com regularidade e que mantenha uma perspetiva positiva sobre a situação.  

No âmbito da campanha “O Cancro do Pulmão não tira férias”, que mensagens devemos reter?

Sempre que desenvolver os sintomas ou sinais descritos acima, não espere e consulte o seu médico. Se as queixas persistirem, discuta com o seu médico a necessidade de realizar exames complementares de diagnóstico e faça-os o mais rapidamente possível. Não aguarde pelo fim de férias para esclarecer o seu quadro clínico, porque o cancro do pulmão não tira férias!

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.