Cancro do Pulmão: a derradeira pandemia oncológica
Segundo os dados disponibilizados, em 2018 foram diagnosticados 5284 novos casos de cancro no pulmão e, embora este não seja o número mais elevado, no que diz respeito às neoplasias, este tipo de cancro é o que apresenta as maiores taxas de mortalidade.
Associado maioritariamente ao consumo do tabaco – sendo o tabagismo responsável por 80% dos casos -, há, no entanto, outros fatores de risco que podem condicionar a doença: o fumo passivo, a exposição ao rádon ou asbestos, exposição ocupacional e industrial, bem como a poluição do ar. “A evidência da predisposição genética para o cancro do pulmão tem sido difícil de estabelecer devido a fatores ambientais confundidores, no entanto alguns dados começam a surgir nesse sentido”, acrescenta Pedro Fernandes, cirurgião no Centro Hospitalar Universitário de São João.
Frequentemente diagnosticado já em fases avançadas da doença, estes doentes perdem a possibilidade de uma cura. “Um dos fulcrais problemas no cancro do pulmão é o tempo decorrido até ao diagnóstico, pois o curso silencioso desta doença determina em grande parte a sua elevada letalidade”, começa por explicar o médico cirurgião. A verdade é que, numa fase inicial do cancro do pulmão, a maioria dos doentes é assintomática, sendo a lesão pulmonar muitas vezes detetada acidentalmente. “A realização de uma radiografia torácica ou tomografia computorizada (TC) torácica por variadas razões, quer seja por uma infeção respiratória ou um traumatismo, leva à deteção de lesões nodulares de novo ou em crescimento, iniciando assim a marcha diagnóstica até ao cancro do pulmão”, revela Pedro Fernandes.
Em fases mais avançadas, os doentes podem apresentar sintomas, “porém não podemos falar de sintomas típicos de cancro do pulmão”. Segundo o médico cirurgião, “a doença pode manifestar-se por sintomas devido ao envolvimento local dos pulmões, tais como dificuldade em respirar, tosse, presença de sangue na expetoração ou dor torácica, bem como se pode expressar por sintomas generalizados de perda de apetite, perda de peso ou fadiga”.
Quando a doença já se espalhou para outros órgãos, ou seja, quando se encontra metastizada, os sintomas podem estar relacionados com o órgão afetado pelas metástases – como “sintomas neurológicos (no caso de metástases cerebrais) ou dor óssea (no caso de metastização óssea)”.
Para estabelecer o diagnóstico é necessário obter amostra da lesão suspeita através de “uma biópsia, quer seja percutânea, quer seja através de broncofibroscopia”.
“Após este diagnóstico de cancro do pulmão, inicia-se a etapa do estadiamento, de forma a percebermos em que fase está a doença. O estadio no qual conseguimos diagnosticar a doença determina o seu tratamento e o prognóstico, sendo que após diagnóstico, apenas 15% dos doentes estão vivos 5 anos depois, isto porque aproximadamente 70% dos casos são diagnosticados numa fase avançada da doença, tornando o diagnóstico precoce essencial para um tratamento prematuro e eficaz.
O largo espectro de fases nos quais a doença é estadiada compreende desde o pequeno nódulo pulmonar com menos de um centímetro que pode ser tratado com cirurgia – permitindo uma sobrevida aos 5 anos de cerca de 92% - até ao cancro do pulmão em estadios avançados, com múltipla metastização à distância, cujo prognóstico contempla uma sobrevida aos 5 anos inferior a 5%”, explica Pedro Fernandes.
O tratamento depende então da fase em que se encontra a doença, e apesar da maioria dos casos não permitir uma terapêutica curativa, na última década tem havido uma enorme evolução nesta área.
Exemplo disso é a implementação de uma técnica minimamente invasiva para tratamento de estadios mais precoces. “A cirurgia toracoscópica vídeo-assistida (VATS), permite através de uma única porta de 3 a 5 centímetros, sem necessidade de afastamento de costelas, remover o lobo pulmonar ou o segmento pulmonar afetado pelo cancro do pulmão”, explica o cirurgião acrescentado que esta “é uma abordagem cirúrgica menos agressiva, que possibilita ao doente um pós-operatório menos doloroso, menor tempo de internamento, com uma recuperação funcional mais positiva e um rápido retorno à sua atividade normal”.
“Em fases mais avançadas da doença, a cirurgia com ressecção pulmonar não demonstra ter efeitos benéficos na sobrevida dos doentes. Nestes estadios da doença, a quimioterapia clássica era a única opção, que permitia aos doentes uma sobrevida de pouco mais de um ano. Também nesta área, na última década, houve um incremento de qualidade no tratamento a oferecer, com o desenvolvimento das terapêuticas dirigidas e da imunoterapia”, revela Pedro Fernandes.
Segundo o especialista estas novas terapêuticas permitem “não só um incremento substancial na sobrevida, mas sobretudo um melhoramento na qualidade de vida destes doentes, sem os efeitos adversos conhecidos da quimioterapia”.
Não obstante esta evolução, o tempo que decorre entre a deteção de lesão suspeita, estadiamento e tratamento, constitui uma das maiores problemáticas associadas à patologia. Neste sentido, é imperativa a existência de uma via verde para o cancro do pulmão. “A via verde para o cancro do pulmão é uma estratégia dos centros nacionais de tratamento de cancro do pulmão de desenvolver e otimizar os seus recursos. O objetivo, sobretudo nos doentes que podem ser submetidos a terapêuticas potencialmente curativas (nomeadamente a cirurgia), é diminuir o tempo desde a suspeição de cancro de pulmão até à alta clínica após cirurgia”, explica Pedro Fernandes.
Na prática, pretende-se uma meta de 30 dias desde a deteção de um nódulo pulmonar suspeito, à realização de uma biópsia pulmonar diagnóstica, passando pelo estadiamento da doença até à cirurgia e alta clínica deste procedimento. “Este processo permitirá ganhar tempo e resgatar muitos doentes para um tratamento radical. Atualmente, o esforço de realizar cada um destes passos de forma mais célere possível é a luta dos profissionais no dia-a-dia”, adianta o especialista.
“O cancro do pulmão tem um fardo muito importante na nossa sociedade, no entanto, as armas para o combater estão cada vez mais refinadas. Os três passos fundamentais estão identificados: prevenir com evicção tabágica, diagnosticar precocemente e tratar cedo com o melhor que temos para oferecer”, conclui.