Cancro da Cabeça e Pescoço: imunoterapia traz nova esperança e mais qualidade de vida aos doentes
Apesar de ser um dos tipos de cancro mais frequentes, a sociedade ainda está pouco sensibilizada para o Cancro da Cabeça e Pescoço, tanto que o seu diagnóstico chega, quase sempre, em fases avançadas da doença. Assim, para ajudar a entender em que consiste, pergunto: de que estamos a falar quando falamos de Cancro da Cabeça e Pescoço?
O cancro da cabeça e pescoço compreende os cancros atingindo a cavidade oral (incluindo a mucosa do lábio), a faringe (que tem três regiões: nasofaringe, orofaringe e hipofaringe), a laringe e os seios paranasais.
Do conjunto de tumores que integram este grupo, quais os mais frequentes e aqueles que à partida podem apresentar um pior prognóstico, quer no que diz respeito à sua sobrevivência, que à qualidade de vida pós-tratamento?
Os tumores mais frequentes são, por ordem decrescente, os da cavidade oral, da laringe e da orofaringe.
O estádio avançado ao diagnóstico e a ausência de relação com o vírus HPV estão associados a pior prognóstico. No grupo maioritário de tumores causados pelo abuso de tabaco e álcool, é preciso estar atento à possibilidade de tumores síncronos (simultâneos) em outros locais na cabeça e pescoço, no esófago ou no pulmão.
Como tratamento, a cirurgia é geralmente preferida para a cavidade oral e seios paranasais, enquanto a radioterapia é reservada para todos os tumores da nasofaringe e a maioria da orofaringe relacionada com HPV. Nas restantes localizações, a escolha entre cirurgia e radioterapia (associada ou não a quimioterapia) depende do estadiamento, da preferência e possibilidade em conservar o órgão e a função (por exemplo, a radioterapia na laringe preserva as cordas vocais e, consequentemente, a capacidade da fala) e da experiência e disponibilidade terapêutica em cada centro.
Tanto a cirurgia como a radioterapia e os tratamentos sistémicos podem trazer muitas sequelas que comprometem a qualidade de vida, de que são exemplos o trismo (contratura dolorosa da mandíbula), a dor (por afetar nervos), o linfedema, o espasmo muscular do pescoço, a xerostomia (boca seca), a disfagia (dificuldade em engolir), a dificuldade na fala e deglutição, a perda de audição, a neuropatia ou a toxicidade renal.
De um modo geral, a que sinais devemos estar atentos? Quais as principais manifestações clínicas do Cancro da Cabeça e Pescoço?
As manifestações do cancro de cabeça e pescoço dependem sobretudo da localização e extensão do tumor. É comum apresentar-se inicialmente como uma massa assintomática no pescoço (sinal de disseminação ganglionar regional), uma úlcera dolorosa ou lesão visível na cavidade oral, disfonia ou rouquidão (quando atinge as cordas vocais) e dor ao engolir (em tumores da orofaringe). Dor nos ouvidos e dificuldade de audição podem significar atingimento da nasofaringe.
Na sua opinião, por que motivo este tipo de cancro é, muitas vezes, diagnosticado em fases já avançadas? Sabendo que grande parte a população só tem acesso aos cuidados de saúde primários, e ao Serviço Nacional de Saúde, qual a importância dos médicos de família para este diagnóstico? Considera que estes estão devidamente despertos para esta problemática?
Muitas vezes, ao início os sintomas são relativamente inespecíficos, confundindo-se com patologia benigna banal. Por outro lado, o cancro da cabeça e pescoço, por estar ainda muito associado ao abuso de álcool e tabaco, tende a atingir franjas da população mais vulneráveis e de menor literacia em saúde. A procura tardia de ajuda médica pode comprometer o prognóstico e mesmo a resposta aos tratamentos. Programas de rastreio dirigidos a populações específicas podem aumentar a deteção precoce da doença, mas qualquer sintoma de cabeça e pescoço (como odinofagia, rouquidão, otalgia) que perdure além de 2 a 3 semanas exige um exame físico da cavidade oral, que pode ser feito pelo médico de família ou médico dentista, ou um exame endoscópico da laringe e da faringe. Perante uma massa dura assintomática no pescoço em doente com o perfil referido, não se deve protelar a aspiração por agulha fina (preferível à biópsia aberta, por não afetar futuras opções de tratamento).
Que opções terapêuticas existem para tratar o Cancro da Cabeça e Pescoço?
Os meios de tratamentos ao dispor e comprovadamente eficazes são a cirurgia, a radioterapia e o tratamento sistémico - em combinação ou isoladamente, como a quimioterapia, a terapia biológica e, mais recentemente, a imunoterapia -, geralmente reservado para estádios mais avançados.
Sendo que têm surgido novas estratégias de tratamento, como é o caso da imunoterapia, em que consiste e quais os principais benefícios da sua aplicação? Qual o impacto ao nível das taxas de sobrevivência e qualidade de vida dos doentes?
A imunoterapia ativa o sistema imunitário e restaura as respostas anti-tumorais que foram, entretanto, bloqueadas pelas células cancerígenas. Ensaios comprovaram a eficácia dos inibidores de pontos de controlo imunológicos, nomeadamente o anticorpo anti-PD-1 Pembrolizumab, como primeira linha de tratamento para doença recidivada sensível a platina ou doença metastática, desde que expresse PDL1, um biomarcador de resposta a imunoterapia (definida pela pontuação positiva combinada (CPS) igual ou superior a 1). No estudo KN-048, em doentes com CPS entre 1 e 19, a associação de pembrolizumab a quimioterapia com cisplatina e fluoracilo reduziu em 29% o risco de morte, comparando com o tratamento padrão de terapia biológica e quimioterapia. Também a taxa e a profundidade de resposta foram superiores. No subgrupo com CPS igual ou superior a 20, a sobrevivência foi ainda superior, atingindo redução de risco de morte de 39%, que se traduz num aumento de 10,7 meses para 14,9 meses. Outro aspeto muito positivo foi a manutenção da qualidade de vida ao juntar-se imunoterapia, comparando com o braço de quimioterapia isolada. Em segunda linha ou em doentes resistentes a platino, os anti-PD1 pembrolizumab ou nivolumab podem ser usados em monoterapia comprovando benefício na sobrevivência, sem necessidade de avaliação da expressão de PDL1.
Para que tipos de tumores está aprovada a imunoterapia?
Os ensaios de imunoterapia na cabeça e pescoço incluíram doentes com tumores de histologia de carcinoma espinocelular (a mais comum) da orofaringe, cavidade oral, hipofaringe ou laringe, recidivados ou metastáticos e não curáveis por terapia local como cirurgia ou radioterapia.
O que se pode esperar, no futuro, quanto ao tratamento deste tipo de tumores?
No futuro breve, a definição da etiologia tumoral será importante para personalizar o tratamento, uma vez que vários ensaios procuram estudar nos tumores HPV positivos, de melhor prognóstico, a possibilidade de desintensificação do tratamento com redução de dose de radioterapia ou a omissão de quimioterapia. Nos tumores HPV negativos, a presença de DNA tumoral circulante por biopsia líquida poderá determinar quais os doentes que mais beneficiam ou podem dispensar tratamento adjuvante após cirurgia. A médio e longo prazo, torna-se inevitável a incorporação na prática clínica da medicina de precisão, que procura desesperadamente identificar biomarcadores genómicos de prognóstico e preditivos de resposta terapêutica.