Entrevista | Dra. Joana Marinho, Oncologista

Cancro da Bexiga: "Muitas vezes, os homens têm vergonha de procurar o médico"

Atualizado: 
31/05/2024 - 10:20
O Cancro da Bexiga é um dos mais prevalentes em Portugal. Mais frequente no sexo masculino, tem na hematúria o seu principal sinal de alerta e, apesar de, nos últimos anos, terem surgido novidades e inovações para o seu tratamento, o diagnóstico continua a ser um desafio. "O que vemos na maioria das realidades é um tempo muito longo desde o aparecimento do sintoma, procura de cuidados médicos, e o efetivo diagnóstico da doença. Isto leva a atrasos no inicio de tratamento, com compromisso na sua eficácia", revela, em entrevista ao Atlas da Saúde, a oncologista Joana Marinho.

O que é o carcinoma urotelial e qual a sua incidência na população portuguesa?

O carcinoma urotelial é um tipo de cancro que leva ao crescimento anormal das células de revestimento do trato urinário, mais frequentemente da bexiga, mas também se pode desenvolver nos ureteres e na pelve renal, uma vez que estas células também estão lá presentes.

Segundo os dados do Globocan 2022 é o 8º tumor mais incidente na população portuguesa, considerando ambos os sexos, o 4º em homens.

Quais os principais sintomas ou sinais de alerta?

O principal sinal de alerta é o aparecimento de sangue na urina (hematúria). É o sinal mais frequente e que motiva na grande maioria das vezes a procura de cuidados médicos. Podem aparecer também outros sintomas como dor ao urinar, aumento da frequência urinária e dor na região lombar.

Quais os fatores que contribuem para aumentar o risco de cancro da Bexiga? Qual a sua relação, por exemplo, com o vírus do papiloma humano (HPV)?

O principal fator de risco para o desenvolvimento de cancro urotelial é o tabagismo. Existem ainda outros fatores de risco, menos frequentes como exposição a certas substâncias químicas (como as usadas na indústria do couro, borracha, têxtil e de tintas), infeções crónicas do trato urinário, radioterapia prévia à região pélvica e história familiar de cancro urotelial.

Múltiplos estudos sugeriram que existe uma relação entre a infeção pelo papilomavírus humano (HPV) e o carcinoma urotelial da bexiga. Um estudo (meta-análise) que incluiu dados de 52 estudos e 2855 casos de cancro da bexiga constatou que a prevalência de HPV nos doentes com cancro da bexiga era de 17%. A maioria desses casos estava associada a serotipos de alto risco de HPV, especialmente o HPV 16.

É possível determinar a sua causa e explicar o porquê desta neoplasia atingir maioritariamente o sexo masculino?

Os homens tem quatro vezes mais probabilidade de desenvolver cancro da bexiga. No entanto, doentes do sexo feminino diagnosticadas com cancro da bexiga têm um risco maior de recorrência, progressão e mortalidade.

São múltiplos os fatores que podem levar ao desenvolvimento de carcinoma urotelial, como já dito na pergunta anterior, e a sua maior prevalência no género masculino estará eventualmente relacionada com o maior consumo de tabaco.

No entanto em estudos em que se controla o fator tabaco, a incidência continua a ser mais elevada no sexo masculino. Não se sabe bem a causa. Existem fatores genéticos, imunológicos e hormonais que podem contribuir, como maiores níveis de androgénios, mas ainda estão em estudo.

Tendo em conta que alguns sintomas são comuns a outras patologias – como é caso da urgência urinária presente na bexiga hiperativa, por exemplo – como é feito o seu diagnóstico?

O sintoma/sinal mais comum acaba por ser o aparecimento de sangue na urina. E quando este aparece, é um sinal de alerta, que deve motivar avaliação médica. Muitas vezes, se o sintoma se tratar de urgência urinária o diagnóstico pode ser atrasado, uma vez que os doentes demoram a procurar ajuda médica.

O diagnóstico pode passar inicialmente por ecografia reno-vesical (ao sistema urinário), à procura de massas ou alterações no revestimento do aparelho urinário, seguida de um exame chamado de cistoscopia, que consiste na visualização do interior da uretra e da bexiga com uma câmara. Se observado algo de anormal será realizada uma biópsia.

Sendo que nem todos tumores invadem o músculo da bexiga, como se classificam e qual o seu sistema de estadiamento?

Os tumores da bexiga classificam-se de acordo com a profundidade de invasão da bexiga, e portanto dividem-se em tumores não músculo-invasivos (ou também chamados tumores superficiais da bexiga), quando não invadem o músculo. Estes é o subtipo mais comum de tumores uroteliais.

Falamos em tumores músculo-invasivos, quando invadem o músculo (estima-se que sejam apenas 10% de todos os tumores do urotélio).

Para o seu diagnóstico e estadiamento, necessitamos da biópsia, pois é esta que vai definir se o tumor invade ou não o músculo. Para pacientes com doença limitada à bexiga, a profundidade de invasão do tumor primário é a variável prognóstica mais importante para determinar o risco de recorrência ou progressão. Isso é integrado ao sistema de estadiamento padrão, o sistema tumor, nódulo, metástase (TNM), no qual a profundidade de invasão do tumor primário fornece informações prognósticas importantes.

Se a doença invadir o músculo será necessário também a realização de um tomografia computorizada (TAC), para avaliar se a doença está limitada ao órgão.

Quais as opções terapêuticas disponíveis para o tratamento do cancro da Bexiga?

As opções terapêuticas são várias, e dependentes do tipo de tumor (se invade ou não o músculo), e se a doença está limitada apenas ao órgão, ou se invade outras estruturas.

Na doença não músculo invasiva, o tratamento pode passar por cirurgia, radioterapia e quimioterapia, ou tratamentos intravesicais (com introdução de medicamentos na bexiga), como mitomicina ou BCG (bacilo Calmette–Guérin).

Na doença músculo-invasiva, se limitada ao órgão, os tratamentos podem passar por cirurgia com ou sem quimioterapia antes ou após a cirurgia, ou ainda imunoterapia após a cirurgia.

Se a doença se encontra espalhada a outros órgãos, ou seja, se estamos perante uma doença metastizada, esta deixa de ser potencialmente curável. O tratamento padrão atual é habitualmente quimioterapia, seguida ou não de imunoterapia.

Apesar de ainda não se encontrar aprovado pela EMA (agência europeia do medicamento), o tratamento de primeira linha padrão na doença metastizada será a breve prazo composto por imunoterapia em conjunto com uma nova classe de fármacos, os anticorpos conjugados a fármaco. Este tratamento parece vir revolucionar as taxas de sobrevivência deste tipo de tumores.

Qual a taxa de sobrevivência deste tipo de cancro?

A taxa de sobrevivência é muito variável consoante o tipo de doença que temos (se invade ou não o músculo e se a doença está limitada apenas ao órgão, ou se invade outras estruturas).

Segundo dados americanos (American Cancer Society), na doença não músculo-invasiva podemos falar em taxas de sobrevivência aos 5 anos superiores a 95%. Na doença musculo-invasiva limitada ao órgão essa taxa desce para cerca de 70%, e na doença metastizada cerca de 8%.

Neste sentido, qual a importância do diagnóstico precoce? Existem rastreios? Quando se deve investigar a doença?

Não existe exame de rastreio. Até agora o rastreio não mostrou diminuir a mortalidade e portanto não está preconizado. No entanto o mais importante é alertar a população para os sinais de alarme mais comuns, e que não devem ser ignorados, principalmente, alterações recentes no padrão miccional e presença de sangue na urina.

Muitas vezes o que vemos é que os doentes vão adiando a procura de ajuda médica quando aparecem estes sintomas. É fundamental estar alerta e procurar o médico assim que surjam. Isto permitirá detetar a doença numa fase mais inicial, aumentando a possibilidade de cura.

Na sua opinião, quais os principais desafios que esta neoplasia apresenta, tanto no que diz respeito ao diagnóstico quanto ao tratamento?

Um dos principais problemas no diagnóstico, prende-se com o diagnóstico tardio por duas razões: a primeira porque os doentes demoram a procurar ajuda médica. Muitas vezes os homens têm vergonha de procurar o médico, e menosprezam a perda de sangue. O segundo problema é a resposta do nosso serviço nacional de saúde. Em alguns hospitais existe a chamada via verde de hematúria, que permite que um doente que chegue à urgência com sangue na urina que não possa ser explicado por uma infeção por exemplo, possa rapidamente ser avaliado em consulta e pedidos os exames para diagnóstico e despiste de carcinoma urotelial.

O que vemos na maioria das realidades é um tempo muito longo desde o aparecimento do sintoma, procura de cuidados médicos, e o efetivo diagnóstico da doença. Isto leva a atrasos no inicio de tratamento, com compromisso na sua eficácia.

Quanto ao tratamento, nos últimos anos temos tidos muitas novidades e inovações para o tratamento do carcinoma urotelial.

Desde novidades na doença não musculo-invasiva, que em pouco tempo teremos tratamentos potencialmente mais eficazes na prática clinica e com melhor tolerância. Na doença musculo-invasiva, os principais desafios passam por aumentar a taxa de cura na doença localizada, uma vez que as taxas de recorrência após tratamento rondam os 40-50%. Já existem vários ensaios clínicos a testar novas moléculas neste contexto e com resultados promissores.

Na doença metastizada, o ultimo ano trouxe novidades no tratamento de primeira linha, com uma duplicação das taxas de sobrevivência comparativamente ao tratamento de quimioterapia clássica. Resta agora saber como selecionaremos os doentes para estes novos tratamentos, uma vez que se esperam também toxicidades não desprezíveis.

Outro fator importante são os custos. Estes tratamento inovadores estão associados a custos elevadíssimos, e podem não estar acessíveis a todos os cidadãos globalmente. Ao nível de Portugal, sendo negociado um financiamento com o INFARMED, não serão à partida colocados entraves ao seu acesso. No entanto temos de pensar também na sustentabilidade a longo prazo.

Para terminar, quais as principais ideias-chave que devemos reter sobre a doença?

Em resumo, o carcinoma urotelial é um cancro prevalente em Portugal, especialmente entre homens, com uma incidência significativa que justifica o alerta . É importante saber que existe, estar alerta para sinais e sintomas, principalmente hematúria (sangue na urina), e se é fumador, não esquecer que a melhor prevenção é a abstinência.

Diagnósticos precoces salvam vidas! Estejam alerta!

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.