Sintomas e tratamento

Anemia e Doença Renal Crónica: uma relação potencialmente fatal

Atualizado: 
15/01/2021 - 12:18
Estima-se que um em cada cinco doentes renais crónicos sofra de anemia. Uma relação, muitas vezes, fatal, cuja incidência aumenta de acordo com o estadiamento da doença renal crónica.

Segundo Manuel Amoedo, Nefrologista do Serviço de Nefrologia do HESE – EPE, a anemia “tem um impacto significativo na qualidade de vida do doente renal com aumento da morbimortalidade relacionada com aumento de doença cardiovascular”. Isto porque, como explica o especialista, estes doentes correm maior risco de desenvolver doença cardíaca ou eventos cardíacos, como é o caso da insuficiência cardíaca ou o enfarte agudo do miocárdio “com necessidade de hospitalização frequente”.

Embora se estime que um em cada cindo doentes renais crónicos sofra de anemia, Manuel Amoedo ressalva que este valor pode ser maior. “A percentagem de anemia associada a Doença Renal Crónica (DCR) vai aumentando de acordo com o estádio da DRC afetando mais de 50% dos doentes no estádio V”, revela.

Segundo o especialista a anemia da DRC está, naturalmente, associada à perda de função renal e consequente diminuição de produção de epoetina (“90% da sua produção é feita no rim”). “Para além da diminuição da produção de epoetina, a disfunção do metabolismo do ferro, com défice absoluto, ou com níveis adequados, mas impossibilidade da sua utilização, devido a níveis elevados de hepcidina e a menor sobrevida dos eritrócitos, em particular nos doentes estádio V em hemodiálise, são as principais causas de anemia”, explica quanto às causas.

Por outro lado, salienta que a Doença Renal Crónica “é uma doença inflamatória que também é causa de anemia e igualmente da quantidade de sangue que estes doentes perdem devido às múltiplas amostras de sangue a que são submetidos”.

Existindo uma forte associação entre uma e outra condição, quase impossível de fugir, torna-se então fundamental que estes doentes sejam periodicamente avaliados tendo em conta o estadiamento da DCR. “Dessa avaliação faz parte a realização de hemograma e, caso se verifique existência de anemia, estudo da cinética do ferro com doseamento de Ferro Ferritina e Taxa de saturação de transferrina (estes são os parâmetros mais frequentemente utilizados, podem usar-se outros, como por exemplo, contagem de reticulócitos e concentração de hemoglobina (Hgb) nos reticulócitos)”, avança o nefrologista.

É também importante que se excluam outras possíveis causas para a anemia. Manuel Amoedo salienta que a Doença Renal Crónica “está, muitas vezes, associada a outras doenças das quais destaco as doenças autoimunes (Lúpus eritematoso sistémico, artrite reumatoide, etc.) e a diabetes”.

Entre os sintomas mais frequentes, o especialista destaca a fadiga, o cansaço fácil, a sensação de mal-estar geral, as mialgias, a intolerância ao frio, os distúrbios do sono, a perda de apetite, a palpitações, ou incapacidade de concentração como os sinais a que deve estar atento.

Atualmente, o seu tratamento é feito através da utilização de epoetinas de curta, média e longa duração e de ferro endovenoso. “A utilização destes fármacos depende como é óbvio, do grau de anemia. Só prescrevemos epoetinas quando o valor de hemoglobina é inferior a 10 g/dl e não queremos que esse valor seja superior a 12 g/dl. Estes valores foram adotados depois de se ter verificado um aumento do risco de doença cardiovascular sem benefício de qualidade de vida nos estudos CHOIR e CREATE em que se corrigiu o valor de hemoglobina para valores normais”, explica Manuel Amoedo.

Antes do aparecimento das epoetinas, o nefrologista recorda que a terapêutica disponível era pouco eficaz e com várias complicações associadas. “Antes do aparecimento das epoetinas, no início da década de 90, a anemia da DRC era tratada com suplementos de ferro e com suporte transfusional – o que causava hemossiderose e doenças virais, sobretudo Hepatite C quando ainda não era possível fazer o seu rastreio nos dadores”, recorda.

No entanto, apesar da terapêutica disponível ter evoluído, não deixam de existir vários desafios no tratamento da anemia da DCR. “Os desafios no tratamento da anemia assentam, como já disse, na necessidade de chegar a um correto diagnóstico da causa da anemia excluindo outras causas. O doseamento de Ferro, Ferritina e TSAT são fundamentais para uma correta avaliação da eventual necessidade de administração de ferro. Mesmo nos doentes pré-diálise, a nossa opção é fazer ferro ev e depois reavaliar o doente. Se não houver resposta, a opção é iniciar epoetina caso a Hgb continuar abaixo de 10 g/dl”, explica.

Por outro lado, acrescenta o médico especialista, “nos doentes pré-diálise e em diálise peritoneal que necessitam de epoetina para corrigir a anemia, um dos principais problemas é a compliance na toma de epoetina, uma vez que estes fármacos são obrigatoriamente administrados por via SC. Na diálise peritoneal temos ainda um problema acrescido pela existência de um cateter no abdómen o que diminui os locais para administração SC. Um aspeto burocrático, mas relevante, é a necessidade de os doentes se deslocarem mensalmente à farmácia do Hospital onde são seguidos para levantar a epoetina”.

De acordo com Manuel Amoedo, os novos fármacos para o tratamento da anemia, “nomeadamente os estabilizadores dos fatores indutores de hipoxia (conhecidos por inibidores do HIF cujo mecanismo de ação é manter a hipoxia e assim estimular a produção renal e hepática de epoetina) são um avanço notável porque são de administração oral e diminuem os níveis de hepcidina permitindo uma melhor utilização do ferro”.  E sublinha: “quando estiverem disponíveis, poderão ser “revolucionários” sobretudo para os doentes pré-diálise e em diálise peritoneal ao permitir-lhes tomar um fármaco para controlar a sua anemia”.

Em matéria de prevenção o especialista reforça a importância de os doentes renais crónicos serem referenciados “para uma adequada terapêutica dos múltiplos fatores envolvidos (HTA, Diabetes, DCV), não nos esquecendo da doença óssea associada à doença renal crónica que contribui para a anemia”.

Concluindo, tratando-se, esta, de uma condição que se desenvolve de forma precoce e que progrede à medida que a doença renal evolui, é importante não descurar o impacto da anemia na vida destes doentes.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.