A importância do diagnóstico precoce

Ainda há muitos homens que evitam falar de cancro da próstata

Atualizado: 
15/09/2020 - 12:04
O cancro da Próstata é um dos tumores mais frequentes do homem, sendo considerado a segunda causa de morte oncológica entre o sexo masculino. Os dados revelam que na Europa, é diagnosticado um novo caso cancro da próstata em cada 3 minutos. No entanto, ainda muitos são aqueles que evitam falar sobre a doença e que não procuram ajuda. Para o ajudar a compreender a importância do diagnóstico precoce, José Santos Dias, Urologista e Diretor do Instituto da Próstata, explica em entrevista tudo o que precisa saber sobre esta doença: dos primeiros sintomas ao seu tratamento.

Se há um tipo de cancro que mexe particularmente com os homens, é o cancro da próstata. Para entendermos a doença, sobretudo para conseguirmos identificar os sinais precoces, começo por lhe perguntar o que é o cancro da próstata? E qual a sua incidência?

O Cancro da próstata é um tumor maligno deste órgão. Ou seja, existe uma transformação maligna de células de próstata, que depois se multiplicam a uma velocidade superior às restantes células da próstata, como acontece com qualquer tumor maligno, proliferam e, se não tratado, se disseminam.

Preocupa muito os homens porque é um dos tumores mais frequentes do homem. É ainda a segunda causa de morte oncológica no sexo masculino. Em Portugal, são diagnosticados cerca de 5000 a 6000 novos casos por ano, com uma mortalidade de cerca de 1800 a 1900 homens/ano.

Na Europa, é diagnosticado um novo cancro da próstata em cada 3 minutos e a cada 15 minutos morre um homem por este diagnóstico. Um recém-nascido do sexo masculino apresenta, neste momento, uma probabilidade de cerca de 15% de vir a sofrer este tipo de tumor e uma probabilidade de 3% de vir a morrer deste cancro.

Existem os fatores de risco para o seu desenvolvimento? Quem está em risco?

Os fatores de risco conhecidos são os seguintes:

Idade: homens com idade superior a 50 anos têm um risco superior de cancro da próstata.

História familiar: o risco é superior se o pai ou um irmão sofrerem de cancro da próstata. O risco de desenvolver um cancro da próstata aumenta duas vezes se existe um familiar em 1º grau com esta doença. Este risco aumenta para cinco a onze vezes se existem dois ou mais familiares em primeiro grau afetados.

Origem étnica: mais frequente na raça negra.

Testosterona: A causa de degenerescência e multiplicação das células da próstata é a testosterona, a hormona masculina. Se não existir testosterona, não se desenvolve este tumor. A testosterona promove o desenvolvimento e o crescimento tumoral.

Dieta: As dietas ricas em gordura, sobretudo se com elevado teor de gorduras saturadas e as dietas com elevado conteúdo proteico, ou seja, as dietas “ocidentais”, com muitas calorias e elevado consumo de carne promovem igualmente este tumor.

Obesidade: foi também associada ao cancro da próstata.

Agentes químicos: o contacto com produtos químicos tóxicos pode aumentar o risco deste cancro.

Sendo assintomático em fases iniciais, quais os principais sintomas a que devemos estar atentos? De um modo geral, quais as principais manifestações clínicas, consoante os diferentes estádios da doença?

De facto, um dos maiores problemas deste tumor é o facto de não causar quaisquer queixas, não causar sintomas e, por isso, poder evoluir silenciosamente durante muito tempo.

Quando causa sintomas, as queixas que provoca são iguais aos do aumento benigno deste órgão. Por isso é tão importante fazer uma avaliação por urologistas com experiência nesta área, para diferenciar as duas situações e fazer o “diagnóstico diferencial” entre ambas.

O cancro da próstata pode manifestar-se por sintomas do aparelho urinário inferior, chamados LUTS (do inglês Lower Urinary Tract Symptoms) - que se dividem em sintomas de “esvaziamento”, de “enchimento” e pós-miccionais.

Sintomas de esvaziamento (que ocorrem durante a fase em que a bexiga está a acumular urina):

  • Dificuldade a urinar (jato fraco e fino) ou ardor
  • Demorar a começar a urinar
  • Demorar muito tempo a urinar
  • Urinar por diversas vezes, interrupção do jato
  • Necessidade de fazer esforço abdominal para urinar
  • Retenção urinária
  • Incontinência (perda de urina) durante a noite

Sintomas de enchimento que ocorrem durante a fase em que a bexiga está a esvaziar, durante a micção):

  • Necessidade súbita de urinar
  • Incapacidade de reter a urina, quando se tem vontade súbita de urinar
  • Aumento da frequência das micções
  • Aumento do número de vezes que se urina durante a noite
  • Dor/sensação de peso abaixo do umbigo

Sintomas pós-miccionais: (que ocorrem depois da micção):

  • Sensação de não esvaziar completamente a bexiga
  • Ficar a pingar urina no fim de urinar
  • Ocasionalmente, pode manifestar-se por sangue na urina (hematúria), sangue no esperma (hematospermia) ou, em casos mais raros, problemas de ereção (disfunção eréctil).

Em casos de tumores mais avançados, já metastizados, ou seja, envolvendo outros órgãos, existem diversos outros sintomas possíveis, relacionados com os órgãos afetados ou sintomas gerais: dores ósseas, emagrecimento, perda de apetite, falta de forças e cansaço, que podem estar associados à anemia, frequente nestes doentes. Podem surgir ainda sintomas neurológicos, por compressão da medula vertebral por metástases ósseas, vertebrais. Podem surgir outras queixas menos típicas, como alterações intestinais, do controle da bexiga ou fraturas ósseas que chamamos de patológicas (fraturas espontâneas ou em consequência de pequenos traumatismos, que só ocorrem porque o osso já está mais frágil).

Como é feito o seu diagnóstico? 

O diagnóstico é feito através de vários elementos. Os dois principais são

  • Uma análise ao sangue (PSA – Antigénio Específico da Próstata)
  • A avaliação da próstata por toque rectal.

Podem ser ainda necessários diversos exames, como a ecografia da próstata e/ou uma ressonância magnética nuclear (RMN) especial, a ressonância multiparamétrica da próstata.

A confirmação do diagnóstico é sempre e necessariamente feito através de uma biópsia da próstata.

Atualmente, como cada vez mais se efetua a RMN multiparamétrica, dirigida à próstata, é possível “guiar” a biópsia a realizar, a chamada biópsia de fusão. Neste exame, fundem-se as imagens da RMN e da ecografia, permitindo realizar uma biópsia muito mais precisa.

Que tratamentos existem para o cancro da próstata?

É necessário separar duas fases da doença: a fase localizada e a fase metastizada. Os tratamentos e o prognóstico, a expectativa de evolução e cura da doença são muito diferentes e dependem da fase em que a doença é diagnosticada.

Se for diagnosticado em fases precoces, localizado ainda apenas na próstata, o tratamento tem intuitos curativos e pode consistir em:

  • Cirurgia – prostatectomia radical (aberta, laparoscópica ou robótica)
  • Braquiterapia (colocação de implantes ou “sementes” radioativas no interior da próstata)
  • Radioterapia externa; a terapia com feixes de protões é outra forma de tratamento

Em casos muito especiais, muito particulares e selecionados, podem ser utilizadas técnicas como a crioterapia e técnicas focais.

Se diagnosticado em fases avançadas, já não localizado apenas na próstata, os tratamentos são diferentes e mais agressivos. Se a doença estiver localmente avançada, isto é, se ultrapassar os limites da próstata, mas não existirem metástases à distância, o tratamento envolver a realização de:

  • Cirurgia (prostatectomia radical; em alguns casos pode ser necessária uma ressecção trans-uretral da próstata para alívio sintomático ou uma orquidectomia, em substituição do tratamento hormonal)
  • Associação de tratamentos, por exemplo Braquiterapia + radioterapia ou Braquiterapia + radioterapia + hormonoterapia
  • Radioterapia isolada (neste caso é geralmente necessário associar outro tipo de tratamentos, como a hormonoterapia sistémica)

Pode ainda ser efetuada Crioterapia (mas esta é geralmente indicada para as recidivas do tumor)

Se o tumor já está mais avançado, existem diversas opções de tratamento disponíveis:

  • Hormonoterapia – atualmente existem já tratamentos de hormonoterapia de 1ª e 2ª linha, sendo estes últimos cada vez mais eficazes e com menos efeitos secundários, melhor tolerados e permitindo uma maior duração e uma melhor qualidade de vida para os doentes.
  • Quimioterapia - em alguns casos, especialmente agressivos;
  • Imunoterapia - em alguns casos, especialmente resistentes;
  • Terapêutica com radionuclídeos – em alguns casos em que existem metástases ósseas além do tumor primário.

Nestes últimos casos, o tratamento já não é geralmente curativo, mas destina-se apenas a controlar a doença, a tentar evitar a continuação do desenvolvimento do tumor, a sua progressão. Pretende-se ainda controlar as suas consequências, as queixas que pode provocar e a melhorar a qualidade de vida e o bem-estar dos doentes afetados.

Qual o seu prognóstico e qual a importância do diagnóstico precoce?

Estas duas perguntas e respostas estão totalmente relacionadas! O prognóstico depende da fase em que é diagnosticada a doença. Se for diagnosticada em fases precoces e o tumor for adequadamente tratado (em alguns casos o tumor pode ser tão pouco agressivo que pode nem ser necessário tratar desde logo), o prognóstico é excelente, dos melhores possíveis em tumores malignos (com taxas de sobrevida de 95% e mais, aos 10 anos). Pelo contrário, se for diagnosticado em fases avançadas, a doença pode ter uma evolução muito rápida e, infelizmente, causar grande sofrimento e dor. Ainda continuamos a diagnosticar muitos doentes em fases tardias, doentes que não procuraram ajuda ou não realizaram exames e avaliações, muito simples, em fases precoces e em que a doença evoluiu meses e, em alguns casos, anos. Nestes casos de facto o prognóstico é muito mau, com grande parte dos doentes a falecerem até aos 2 a 5 anos.

Nunca é por isso demais insistir na necessidade de um diagnóstico precoce, que pode ser feito com exames tão simples como uma análise ao sangue (o já referido “PSA”) e o toque rectal.

Quais os principais mitos associados a este tipo de cancro? Quais as principais dúvidas que este tumor suscita nos homens?

Existem inúmeros mitos associados ao cancro da próstata, muitos deles associados à sexualidade. Estes mitos surgem dada a faixa etária em que os problemas e sexuais, nomeadamente problemas de ereção, surgem mais frequentemente – isto é, a partir dos 50 anos. Por outro lado, há alguns tratamentos para o cancro da próstata, como a cirurgia, a radioterapia ou a hormonoterapia, que podem provocar, de facto, problemas de ereção e/ou de desejo. Há muitos trabalhos publicados, por exemplo, em relação à frequência das relações sexuais e o risco de cancro (alguns parecem sugerir que uma maior frequência pode proteger do cancro). Outro mito é a associação da vasectomia com um maior risco de cancro, o que é errado. Existem inúmeros produtos, que quem vende designa como “naturais”, que alegam proteger contra este cancro (quando o único produto que demonstrou ser protetor foi o licopeno, que existe no tomate cozido). Outros fatores como a vitamina E, e, o zinco também foram descritos como protetores, mas tal não parece confirmar-se. Alguns estudos revelaram que alguns medicamentos podem reduzir o risco de cancro da próstata. A importância da inflamação crónica da próstata (a “prostatite”) também e objeto de debate e estudo há muitos anos, alegando alguns autores que aumenta o risco de cancro.

O que muda depois de um diagnóstico de cancro na próstata? Existem complicações ou efeitos secundários ao tratamento?

Eu diria que tudo muda. A perspetiva de vida dos homens afetados com cancro da próstata muda radicalmente, de um dia para o outro. A expectativa em relação à duração da sua vida, à sua qualidade de vida, ao sem bem-estar e “normalidade” da vida que esperavam ter, altera-se significativamente.

Felizmente, no entanto, na maior parte dos casos, os tumores da próstata, se diagnosticados precocemente e adequadamente tratados, têm um bom prognóstico. Tratamentos como a braquiterapia ou a cirurgia laparoscópica e robótica, quando efetuados por urologistas experientes, podem reduzir enormemente os efeitos secundários do tratamento, reduzindo o risco de complicações como a incontinência urinária e a disfunção eréctil. É por isso fundamental: 1) efetuar o diagnóstico precoce deste tumor e 2) ser tratados por médicos e equipas com experiência no tratamento deste tumor. Estes dois aspetos fazem toda a diferença na expectativa de vida e prognóstico destes doentes.

Que conselhos deixa a todos os homens a respeito deste tema? 

Penso que a mensagem principal será realizar um diagnóstico precoce. Para isso, deverão fazer uma avaliação anual da próstata a partir dos 45-50 anos (os doentes referem-se muitas vezes a esta avaliação como sendo um “check-up” da próstata, mas não se trata de facto exatamente disso). Em segundo lugar, se infelizmente for diagnosticado um cancro, deverão sempre procurar opiniões de mais de um médico e recorrer a especialistas e equipas com experiência no tratamento e seguimento de doentes com este problema. Estes dois aspetos farão toda, toda a diferença, em relação à adequação e eficácia dos tratamentos, a uma menor taxa de complicações e a um melhor prognóstico, não só em relação à esperança de vida, mas também em relação à qualidade da mesma.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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