Agora, mais do nunca, é importante reforçar que a Via Verde do AVC é “segura, imediata e eficaz”
“Quando um dos vasos sanguíneos que irrigam o cérebro e o “alimentam”, fornecendo-lhe constantemente oxigénio e nutrientes, sofre um bloqueio, as células cerebrais ficam danificadas, havendo o risco de ser um dano permanente. É a este bloqueio que se dá o nome de Acidente Vascular Cerebral”, começa por explicar a Ana Paiva Nunes esclarecendo que existem vários tipos de AVC. “Quando isto acontece, podemos estar perante um AVC isquémico (cerca de 85%), quando o fluxo de sangue num vaso é interrompido, por exemplo, por um trombo”, já o AVC hemorrágico, mais raro, adianta, acontece quando “há uma hemorragia cerebral, como a rutura de um aneurisma”.
Se o acidente durar apenas alguns minutos ou algumas horas, é denominado de Acidente Isquémico Transitório (AIT). “Neste caso, o dano nas células cerebrais é reversível e não deixa sequelas”, acrescenta, explicado que, no entanto, o risco de vir a ter um AVC “é maior após um incidente destes, sendo que cerca de 10 a 15% das pessoas que passam por este episódio podem ter um AVC no prazo de 90 dias”.
Para além da história de Acidente Isquémico Transitório, a hipertensão arterial, a diabetes, a obesidade, a hipercolesterolemia ou as alterações do ritmo cardíaco, como é o caso da fibrilhação auricular, são apontados como os principais fatores de risco para o AVC que, em Portugal continua a ser uma das principais causas de morte e de “morbilidade e de perda de potenciais anos de vida”. Por outro lado, revela a especialista, o “alcoolismo, tabagismo e sedentarismo são ainda comportamentos considerados de risco relativamente a este tipo de acidente”.
Deste modo, advoga-se que em matéria de prevenção deve apostar-se em estilos de vida mais saudáveis. “A atividade física, por exemplo, tem um efeito benéfico face à tensão arterial, diabetes e aos níveis de gordura no sangue, contribuindo assim para a prevenção do AVC”, esclarece Ana Paiva Nunes. E continua: “uma dieta baixa em gorduras saturadas (presentes em alimentos como carne vermelha, manteiga e queijo gordo) e rica em gorduras insaturadas (presentes no azeite, abacate e nas nozes), peixe e vegetais é igualmente importante na prevenção de um AVC. Acima de tudo, é importante controlar as quantidades, ter uma dieta o mais variada possível e ingerir água suficiente”
Além disso, “controlar regularmente a pressão arterial, os níveis de colesterol e a diabetes, não fumar e visitar regularmente o seu médico são também atitudes preventivas face a um Acidente Vascular Cerebral”, acrescenta.
Os sinais de alerta
Dependendo da região do cérebro afetada, o AVC pode originar diferentes sintomas que surgem de um momento para o outro, sem aviso prévio ou razão imediata aparente. “Estes podem manifestar-se fisicamente, como fraqueza ou paralisia de alguma parte do corpo, desvio da face ou diminuição do equilíbrio”, explica a coordenadora da Unidade Cerebrovascular do Hospital São José, adiantando que os sinais de alerta podem “ainda estar mais relacionados com as capacidades cognitivas, como confusão repentina, dificuldade em falar ou em compreender os outros, tonturas, visão dupla ou dor de cabeça intensa e súbita”.
Assim, e uma vez que os seus sintomas podem ser difíceis de diagnosticar existem três perguntas que o podem ajudar a perceber se está perante um caso de AVC ou não:
- Pedir à pessoa para dizer uma frase e perceber se esta foi capaz de a dizer, pronunciando claramente as palavras.
- Pedir à pessoa para sorrir. Desta forma é possível perceber se fica com a boca simétrica ou se há um lado que não mexe tão bem.
- Pedir à pessoa para levantar os braços para avaliar se esta é capaz de levantar os dois, mantendo-os esticados para a frente de forma igual.
“Em caso de suspeita de AVC, é importante contactar o 112 assim que se detetam os primeiros sintomas, uma vez que, nestes casos, o tempo é crucial. Quanto mais rápido procurar por ajuda e conseguir chegar a um hospital com capacidade para fazer o tratamento necessário, maior será a probabilidade de evitar sequelas graves”, aconselha a especialista. É que a janela de oportunidades para o seu tratamento dura apenas 4h30.
“Durante este tempo, poderá ser possível injetar na veia um produto que ajuda a desfazer o trombo que entupiu uma artéria cerebral ou até fazer um cateterismo. Quando cumpridos, estes tratamentos aumentam em 30 a 50% a hipótese de a pessoa conseguir sair ilesa ou apenas com sequelas insignificantes. Por isso, quanto mais tardia for a resposta, menor será a capacidade de evitar que os recuperados fiquem com sequelas maiores”, sublinha quanto à importância do seu diagnóstico e tratamento precoce.
A Via Verde do AVC é segura e deveria existir em todos os hospitais
De acordo com Ana Paiva Nunes, “a Via Verde do AVC, que existe já em vários hospitais, pressupõe que quando o doente chega ao hospital as equipas estão já preparadas para intervir de forma rápida, para evitar sequelas. Esta deve ser uma via segura, imediata e eficaz, com equipas preparadas para tratar os doentes, num circuito protegido e paralelo ao dos doentes infetados por Covid-19, sendo, por isso, importante a sua implementação em todos os hospitais em Portugal”.
Além da possibilidade de uma resposta rápida, explica, “em causa está também a fase de reabilitação e o seguimento do doente que sofreu um Acidente Vascular Cerebral. Para isso, é garantida uma abordagem multidisciplinar, que garante a continuidade dos tratamentos dos doentes com indicação para este tipo de cuidados”.
No contexto da pandemia Covid-19, o principal constrangimento na assistência a estes doentes esteve relacionada com os cuidados de reabilitação. “Durante o estado de emergência, por exemplo, a reabilitação parou por completo, o que fez com que doentes que tinham um enorme potencial de recuperação tenham ficado com sequelas muito maiores do que aquilo que seria de esperar. Segundo um inquérito realizado, entre 20 e 27 de abril, divulgado pela Portugal AVC, 91% dos doentes, que tinham indicação para receberem cuidados de reabilitação, afirmaram ter sido obrigados a interromper os tratamentos ou até mesmo não terem tido a oportunidade de os começar”, revela a especialista reforçando que de nada serve “manter a terapêutica de fase aguda”, se depois o doente não tem acesso ao resto.
“Se, por alguma razão, voltarmos a ter de aplicar restrições no Serviço Nacional de Saúde, isso poderá resultar num problema gravíssimo, uma vez que, no caso da reabilitação, fará com que os doentes percam o potencial de recuperação que inicialmente possuem”, adverte preocupada com as consequências irreversíveis que poderão atingir uma grande parte destes doentes.
Por outro lado, segundo Ana Paiva Nunes, um outro inquérito realizado pela Sociedade Portuguesa do AVC, mostrou que metade dos hospitais viu o número de doentes reduzir entre 25 e 50%. Embora as causas não sejam conhecidas, admite-se que o medo de recorrer aos hospitais tenham afastado estes doentes das unidades de tratamento. “Houve menos ativações da via verde AVC e nós tratámos muito menos doentes, o que foi um bocado assustador para nós, revela.
Assim, e de modo a reverter estes números, a especialista refere que é importante que “que os portugueses sejam educados para que consigam identificar o início de um AVC, tanto para se poderem ajudar a si próprios, como aos outros”.
Por outro lado, considerando essencial que a Via Verde do AVC seja implementada em todos os hospitais do país, Ana Paiva Nunes, reforça que se deve garantir e anunciar “que esta continua segura durante a pandemia de Covid-19”. “Desta forma, deverá haver uma redução do medo sentido pelos doentes ao recorrer aos hospitais, reduzindo o tempo de diagnóstico e tratamento”, justifica adiantando que “falta considerar que a reabilitação faz parte do continuum de tratamento que o doente com AVC precisa. Além das intervenções diferenciadas de fase aguda como a trombólise e a trombectomia, estes doentes precisam depois de um plano de reabilitação coordenado que muitas vezes não é conseguido em Portugal”.