eENE 2020 – Overview

32ºeENE - Congresso Virtual da LPCE: uma overview aos desafios e soluções para o futuro da epilepsia

Atualizado: 
28/09/2020 - 10:03
O formato foi virtual, mas nem por isso o Encontro Nacional de Epilepsia de 2020 defraudou expetativas. Antes pelo contrário, foram vários os temas e formatos que nos foram apresentados. Estes passaram-se num palco virtual futurista, onde apresentadores, moderadores e oradores fizeram as suas sessões em formato live sobre os principais desafios e soluções na área da epilepsia.

O Dr. Ricardo Rego fez soar as pancadas de Molière com os Highlights em Epilepsia de 2019. Abordou temas como a indução de crises e potencial redução do tempo de monitorização vídeo-EEG, passou pelo iceberg das epilepsias autoimunes com um primeiro ensaio prospetivo e randomizado na evidência de imunoterapia, neste caso na LFI/CASPR2, e revelou a apneia central pós-convulsiva como um possível biomarcador de SUDEP, salientado a importância dos registos poligráficos multimodais. Terminou com uma mensagem provocatória sobre a adequação do termo antiepilético, para o que na verdade são anticonvulsivantes. O que poderia passar por uma questão semântica, manifesta-se superior, numa era em que verdadeiros antiepiléticos se adivinham a chegar.

Na conferência que se seguiu, dedicada às etiologias, o Dr. João Freixo falou sobre genética. Os testes genéticos traduzem-se numa medicina personalizada e exemplo disso é a descoberta que a epilepsia genética com crises febris + (GEFS+) pode ser um mosaico de mutações de novo do SN1A, tornando os seus descendentes mais propensos a fenótipos severos como o Síndrome de Dravet. Este conhecimento permite um melhor aconselhamento genético a estas famílias e a eventual realização de diagnósticos pré-natal. No que diz respeito a que teste pedir, o Whole Exome Sequencing torna-se protagonista, mas com dificuldades de interpretação associadas, traduzindo a importância de vias de comunicação entre clínicos.

Na mesma conferência ouvimos ainda o Dr. Nicolas Gaspard sobre o tema “Autoimmune Epilepsy – What is changing in our clinical practice”. Introduz-nos o conceito de NORSE, uma apresentação clínica não estranha para os neurologistas: um doente sem antecedentes neurológicos relevantes que se apresenta em estado de mal epilético sem clara causa aguda ou ativa estrutural, tóxica ou metabólica. Em estudos retrospetivos multicêntricos de doentes com NORSE, 51% eram criptogénicos, apresentando um curso natural de fase febril, estado epilético super-refratário e por fim alterações neuropsicológicas crónicas. A etiologia pressupõe-se iniciar com uma infeção viral minor num doente com predisposição que dá início a uma “tempestade de citocinas” traduzida em hiperexcitabilidade neuronal e eventual estado de mal. Por fim, realçou que um subgrupo significativo de doentes com epilepsias refratárias de etiologia desconhecidas são na verdade autoimunes. Um baixo limiar de suspeição, com deteção precoce e tratamento atempado, tem fortes implicações prognósticas, em particular nas associações a neoplasias.

A segunda conferência tinha como tema “Neurodegeneração e epilepsia”. A Dra. Sofia Duarte, falando-nos da idade pediátrica, salientou a diferença entre encefalopatia epilética e encefalopatias do desenvolvimento, sendo que nestas últimas as manifestações epiléticas sucedem as alterações cognitivas do desenvolvimento, que são maioritariamente independentes. Esta diferenciação é importante na intenção de cessar por completo as crises neste segundo grupo, por vezes traduzindo mais iatrogenia e receio do que benefício para o desenvolvimento da criança. A Dra. Isabel Santana falou sobre os adultos. Saliento a

apresentação de um artigo sobre uma forma de epilepsia do lobo temporal com amnésia ictal e alterações mnésicas interictais, sendo estas últimas de predomínio retrógrado, autobiográfico e acompanhadas de alterações comportamentais. Ao contrário da demência na epilepsia, que é uma área desafiante com muitas incógnitas, são melhor conhecidas as manifestações epiléticas na demência vascular e doença de Alzheimer, em particular nas formas precoces e familiares, podendo até surgir na fase prodrómica das doenças neurodegenerativas. Faltam-nos ainda ensaios clínicos randomizados sobre a melhor terapêutica a oferecer a estes doentes, sendo o único existente com levetiracetam, fenobarbital e lamotrigina, favorecendo o primeiro.

O segundo dia contou com a presença do Dr. Ángel Aledo-Serrano que nos trouxe as perspetivas terapêuticas farmacológicas, e discutiu a necessidade de mudar o paradigma, procurando novos mecanismos de ação, e aliar a genética a novas técnicas cirúrgicas, o que nos permitirá uma medicina de precisão.

A Dra. Rute Teotónio falou-nos do futuro da cirurgia da epilepsia, desafiando-nos a pensar nesta opção na idade pediátrica, com menos carga de doença e farmacológica, e um melhor prognóstico associado. Há cada vez mais candidatos cirúrgicos, permitindo uma abordagem cirúrgica em fases precoces, existindo agora um equilíbrio entre a simplificação da seleção e um possível prejuízo do sucesso cirúrgico.

Por fim, na conferência 4 “Computational models and brain connectivity: how it changes our view on epilepsies”, o Dr. Fabrice Bartolomei revela como novos modelos permitem-nos novos paradigmas. Para além da já conhecida zona epileptogénia (ZE), surgem-nos novas áreas, que funcionam como nós, e cuja remoção nos permite igual eficácia e poderão ser cruciais em doentes cuja ZE tem difícil acesso ou cujas funções restrinjam a sua recessão.

Autor: 
Dra. Margarida Ferro - Interna de Neurologia
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.