“Espalhem a notícia
do mistério da delícia
desse ventre
Espalhem a notícia
do que é quente e se parece
com o que é firme
e com o que é vago
esse ventre que eu afago
que eu bebia de um só trago
se pudesse…”
Sérgio Godinho in “Canto da Boca” (1981)
Nas culturas ocidentais, durante muito tempo considerou-se que a mulher grávida não deveria ter relações sexuais. No entanto, sendo a sexualidade uma componente básica na vida das pessoas, é claro que esta não pode ser ignorada durante o período da gravidez [1].
Na nossa cultura, e de uma maneira geral, a atividade sexual pode sofrer a influência de uma forte visão cristã. Nesse sentido, para algumas pessoas o sexo ainda é visto como sendo algo imoral ou pecaminoso, enquanto a maternidade assume um carácter divino. Assim, o sexo tem como função básica a reprodução, e o prazer permitido é apenas o de gerar um filho.
Fundamentando-se em algumas crenças e mitos religiosos, algumas ideias pouco científicas surgiram, tais como: a penetração pode magoar o bebé; a ejaculação dentro da vagina pode afogar o bebé; ser mãe é algo sagrado, logo, ter sexo durante a gravidez [2], não é aceitável uma vez que toda a atenção tem que ser dedicada ao bebé.
Deste modo, e até muito recentemente, devido ao desconhecimento do processo da gravidez e alguns preconceitos e tradições, a mulher receava que a atividade sexual prejudicasse o feto. Contudo, o desenvolvimento de alguns estudos sobre a sexualidade feminina durante a gestação tem permitido um melhor esclarecimento destas questões.
A tendência atual dos ginecologistas/obstetras é de recomendar a relação sexual até ao final da gravidez. As relações sexuais só são contraindicadas pelo médico quando a grávida apresenta alguma complicação que ponha em risco o normal decurso da gravidez: sangramento vaginal, placenta prévia, contrações precoces, traumatismo abdominal ou patologias gravídicas específicas.
A fisiologia assegura que biologicamente não existem motivos para recear que o bebé sofra algum dano: o feto encontra-se muito bem protegido no útero, cercado pelo líquido amniótico. O colo cervical, entre a vagina e o útero é outro fator de proteção e, por outro lado, a vagina torna-se mais ácida de forma a destruir impurezas. O orgasmo pode inclusivamente ser benéfico pois as leves contrações que gera estimulam a irrigação sanguínea dos órgãos sexuais auxiliando na preparação para o parto.
Se cientificamente esta questão é muito clara, a verdade é que para a mulher o desejo sexual, durante a gravidez, varia muito e divide espaço com outros fatores.
A forma como a mulher vive a maternidade e o seu relacionamento conjugal, as suas expectativas, a forma como a sexualidade era vivida antes da gravidez, as complicações médicas e as preocupações que poderão surgir durante este período, são fatores que influenciarão esta nova vivência da sexualidade.
Na gravidez a relação a dois passa de facto a ser uma relação a três, uma vez que o casal passa subitamente a ver a sua intimidade ser partilhada por um terceiro membro.
Esta alteração pode ser sentida como um fator de enriquecimento ou, pelo contrário, como uma invasão da sua intimidade. O futuro pai começa a ver a sua companheira como mãe, e uma vez que é proibido ter relações sexuais com a mãe, urge uma tarefa de reorganização psicológica.
No período da gravidez são várias as modificações corporais. Estas alterações não são só do conhecimento íntimo da mulher mas visíveis a todas as pessoas, pondo em causa toda a sua aparência. Desta forma, a mulher passa por um processo de adaptação psicológica, durante o qual procura integrar a sua nova imagem. A imagem que a mulher tem do seu corpo grávido pode ter influência na atividade sexual.
Algumas mulheres consideram-se menos atrativas sexualmente, podendo essa razão ser suficiente para a modificação do seu comportamento sexual. Outras, no entanto, sentem-se mais atrativas e encantadas com o seu corpo. Estas mulheres sentem-se mais satisfeitas com o relacionamento conjugal e algumas até experimentam o orgasmo pela primeira vez durante a gravidez. Este fato deve-se à mudança de perceção de si própria, uma vez que com a gravidez “estas mulheres passam a sentir-se mais adultas e mais femininas, saindo de uma posição infantil e, portanto, concedendo-se o «direito» de viver uma sexualidade mais madura”.
A reação do companheiro a estas modificações pode ser um fator determinante na aceitação ou rejeição do próprio corpo. Se a mulher sente que o parceiro continua a sentir-se atraído por ela e a solicita para a relação sexual é para ela a prova que o seu aspeto não altera a sua atratividade e capacidade de sedução. Mesmo que a mulher não se sinta muito atraente, o facto de se sentir desejada fá-la saber que o seu corpo é sexualmente estimulante, o que leva a valorizá-lo.
Assim, durante a gravidez, a mulher vê a sua consciência invadida por fantasias e pensamentos até então inconscientes, devido a um abrandamento dos processos defensivos. Esta maior permeabilidade entre os níveis de consciência pode trazer algo de positivo à sexualidade feminina, uma vez que torna a mulher mais consciente, não só dos seus sentimentos, como também dos sentimentos do outro e mais sensível às subtilezas da interação emocional. Ou seja, a mulher pode ver a sua sensualidade potenciada.
Assim, o desejo sexual da mulher grávida embora possa sofrer modificações em termos qualitativos e mesmo quantitativos, ele continua a existir.
A resposta sexual humana implica uma sucessão ordenada de acontecimentos fisiológicos que preparam o corpo para o coito. Observam-se modificações a nível do aparelho genital, de carácter anatómico e funcional, durante o ato sexual. Estas modificações acompanham-se de reações vasculares, neurológicas, musculares e hormonais, e repercutem-se no indivíduo com intensidade variável.
Os estímulos sexuais podem ser divididos em psicológicos e mecânicos ou reflexos. Os primeiros são transmitidos ao cérebro através da visão, audição e olfato bem como de fantasias conhecidas como estímulos psíquicos. Os segundos são produzidos através de estímulos tácteis, reflexos, sem a interferência da via central, atingindo o sistema nervoso através da espinal-medula.
Os estímulos psicológicos e os mecânicos encontram-se correlacionados: o estímulo psíquico aumenta a sensibilidade do estímulo reflexo e vice-versa.
Algumas das diferenças entre resposta sexual feminina e resposta sexual masculina residem no facto da mulher ser mais suscetível à dor durante o ato sexual, podendo a sua valorização do orgasmo variar consideravelmente, assim como as expectativas face ao mesmo.
No ciclo da resposta sexual feminina, existem duas fases fundamentais:
Excitação – fase que fisiologicamente se traduz pela lubrificação vaginal, o intumescimento dos pequenos lábios vaginais e do clítoris e ainda pela ereção dos mamilos, acompanhada por uma vasodilatação reflexa devido à ativação de centros localizados na espinal-medula. As manifestações de tensão sexual aumentam ao longo desta fase atingindo o ponto mais alto com a fase orgástica e decrescendo durante a fase pós-orgástica.
Orgasmo – o orgasmo feminino é um reflexo genital e manifesta-se por contrações rítmicas e involuntárias da plataforma orgástica, zona onde a vaso congestão é particularmente intensa e localizada no terço externo da vagina. Implica alterações genitais, mudanças no tónus muscular esquelético, movimentos semi-voluntários, mudanças gerais cardiovasculares e respiratórias, experiências sensorialmente genitais e alterações ao nível da consciência. Na fase pós-orgástica assiste-se a um retorno à normalidade. O orgasmo feminino é uma experiência vivenciada de forma bastante mais subjetiva que o masculino.
A excitação feminina é um fenómeno basicamente sanguíneo e o orgasmo feminino é um fenómeno fundamentalmente muscular, sendo controlados por partes distintas do sistema nervoso: um deles pode ser inibido enquanto o funcionamento do outro permanece normal.
Nas últimas décadas as expectativas face ao orgasmo têm aumentado devido a mudanças de atitudes face à sexualidade feminina.
Por isso, se antigamente a mulher considerava perfeitamente normal não ter prazer sexual ou orgasmo durante o coito, o homem também se satisfazia sem se preocupar com o desejo da sua companheira. Na atualidade, a mulher procura ativamente a obtenção do orgasmo e o homem sente-se realizado quando proporciona satisfação sexual à parceira.
As alterações biológicas que ocorrem durante a gravidez influenciam a resposta sexual feminina. De facto, o comportamento da mulher grávida pode variar muito ao longo da gravidez e de mulher para mulher. O desejo sexual pode estar diminuído ou aumentado devido a vários fatores psicológicos, sociais e às alterações fisiológicas do seu corpo. As alterações no comportamento sexual, e as súbitas variações de humor próprios da gravidez, podem-se reforçar mutuamente e perturbar uma relação conjugal estável. Os casais têm que aprender a lidar com a sua sexualidade e emoções em mudança.
Durante o primeiro trimestre de gravidez o comportamento da mulher pode variar imenso podendo ir da rejeição voluntária de todas as formas físicas de atividade sexual até à ninfomania. Há mulheres que desfrutam mais o sexo e desejam-no com mais frequência. Podem mesmo alcançar o orgasmo mais depressa e contam que “se sentem tão eróticas que têm medo de assustar os maridos”. Outras vivem uma sexualidade mais indiferente, preferindo apenas ser mimadas, que alguém cuide delas e lhes dê segurança.
A mulher pode ter uma atitude de culpabilidade face ao sexo, uma vez que agora sexo significa somente prazer e perdeu a mínima característica reprodutiva. Outras sentir-se-ão livres do receio/desejo de engravidar e dos contracetivos e desfrutam de uma sexualidade livre de barreiras, sentindo-se bastante eróticas.
Como as emoções jogam um importante papel na sexualidade feminina, as alterações do humor vão com certeza implicar novas formas de vivenciar a sexualidade e a intimidade, o que conduz a necessárias adaptações por parte do casal.
A apreensão sobre a gravidez, a mudança de papel e de estilo de vida, juntamente com os desconfortos próprios da gravidez, tais como a fadiga, náuseas e vómitos podem levar a uma diminuição do desejo sexual e mesmo da demonstração de afeto. As alterações fisiológicas da gravidez, nomeadamente as do sistema circulatório e as hormonais, podem ser responsáveis pelas mudanças na resposta sexual da grávida.
Estas provocam congestão pélvica, aumento da lubrificação vaginal e aumento das mamas que podem levar a desconforto ou levar a um aumento da satisfação sexual.
No primeiro trimestre os seios crescem rapidamente e as auréolas e mamilos tornam-se intumescidos. Este crescimento, mais acentuado nas primíparas, juntamente com o aumento da tensão sexual, provoca frequentemente hipersensibilidade e por vezes dor nas mamas, especialmente nos mamilos e auréolas. Os órgãos genitais também sofrem um aumento da vascularização, a qual aumenta ainda mais em resposta ao estímulo sexual. É constatável a ocorrência de ardor e cãibras, durante e após o orgasmo, na zona inferior do abdómen. Estes sintomas podem fazer com que o casal acredite que o sexo pode prejudicar a gravidez.
Durante o segundo trimestre muitas mulheres sentem-se mais eróticas. Algumas referem sentir o orgasmo pela primeira vez e referiram pela primeira vez experiências multi-orgásticas e orgasmos fulminantes.
Esta fase é caracterizada por uma sensação de bem-estar. Psicologicamente, a mulher vive um período calmo. Muitos dos desconfortos físicos desapareceram ou diminuíram de intensidade. Todos estes fatores podem dar origem a um aumento do interesse sexual, que se exprime através do interesse pelos encontros sexuais, fantasias e sonhos eróticos.
Também as alterações fisiológicas são em grande parte responsáveis pelo aumento da satisfação sexual. As mulheres primíparas referem redução acentuada da hipersensibilidade das mamas, uma vez que altos níveis de tensão sexual não provocam um aumento evidente das mesmas. A lubrificação vaginal aumenta a partir do final do primeiro trimestre e mantém-se até ao final da gravidez. O aumento da vascularização da zona pélvica, e a vaso congestão provocada pelo útero em crescimento, podem levar a um ingurgitamento mais rápido das zonas erógenas durante a fase de excitação. À medida que a gravidez progride, o alívio vaso congestivo posterior ao orgasmo vai sendo mais lento. Algumas mulheres referem ser facilmente excitáveis e continuarem a sentir desejo mesmo depois de ter orgasmos intensos.
A dispareunia (relação sexual dolorosa) pode surgir nesta fase. Pode ser devida a vários fatores, tais como infeções do aparelho urinário ou vaginais, problemas de lubrificação ou pressão no abdómen. Se a mulher não se sente à vontade com a sua sexualidade durante a gravidez, a dispareunia pode ser devida a fatores psicológicos.
As alterações da imagem corporal tornam-se mais evidentes à medida que a gravidez progride. A maior parte dos casais experimentam-nas como agradáveis. No entanto, para algumas pessoas as alterações físicas podem contribuir para uma imagem corporal negativa, que pode produzir alterações na resposta sexual. O marido pode não se sentir atraído sexualmente pela sua mulher, à medida que o corpo dela se torna diferente e volumoso. Os movimentos fetais podem provocar diminuição do interesse sexual e medo de magoar o feto. Alguns casais, durante esta fase da gravidez, descobrem novas formas de satisfação sexual que se podem prolongar além do nascimento do bebé.
Enquanto durante o terceiro trimestre há uma diminuição do interesse e da atividade sexual em algumas mulheres, enquanto outras podem continuar a sentir a sua sexualidade intensificada, principalmente até ao meio do terceiro trimestre.
No terceiro trimestre surgem também desconfortos físicos e fatores psicológicos que podem interferir na sexualidade do casal. Regressa a sonolência e a fadiga do primeiro trimestre, a irritabilidade, a tensão pélvica e as dores lombares acentuam-se, surgem edemas dos membros inferiores e a barriga fica cada vez maior. O abdómen pode ser um obstáculo difícil de transpor para os casais com práticas sexuais conservadoras. O recurso à estimulação manual, sexo oral ou posições que não sejam dificultadas pelo volume da barriga, são as melhores formas de obter prazer mútuo, no entanto, os casais que não têm por hábito adotar este tipo de comportamento sexual podem sentir-se mal ao recorrer a ele no final da gravidez.
O aumento das mamas relativo à fase de gravidez completa-se. A tensão sexual não provoca aumento adicional nas mamas mas continuam-se a verificar as reações de ereção do mamilo e o ingurgitamento aureolar. À medida que a gravidez progride, a vaso congestão pélvica vai sendo mais acentuada, de tal forma que a plataforma orgástica no terço exterior da vagina fica congestionada e o canal vaginal edemaciado. Nessa altura, a intensidade das contrações durante a experiência orgástica parece mínima.
Nas últimas semanas de gravidez, o útero pode entrar em espasmo tónico em vez das contrações regulares da experiência orgástica. Os batimentos cárdio fetais podem apresentar bradicardia transitória sem, no entanto, terem sido observadas outras perturbações fetais. Durante o terceiro trimestre, na fase de resolução, a vaso congestão não pode ser aliviada completamente qualquer que seja a intensidade do orgasmo, levando as mulheres a sentirem uma continuação da estimulação sexual ou a sentirem desconforto. A dispareunia pode ocorrer principalmente se a apresentação fetal já está insinuada na pelve. Posições que dificultam a penetração profunda do pénis podem ser adotadas.
O medo de magoar o feto mantém-se, apesar de ele estar bem protegido. Há casais que sentem o feto como uma terceira pessoa na relação. A mulher pode sentir-se pouco atrativa e ter medo que o companheiro perca o interesse por ela. O casal pode sentir-se constrangido em experimentar novas posições, mas o mais comum é que o casal esteja muito ansioso, preocupado ou demasiadamente desconfortável para se interessar pelo sexo.
A abstinência pode causar conflitos conjugais ou perturbação emocional em casais que costumam relacionar-se sexualmente com regularidade. Estes precisam de ser esclarecidos sobre as alterações fisiológicas, sobre os seus medos e tabus, sobre mudanças de posição e variações sexuais e sobre a variedade de caminhos que o desejo sexual pode tomar, para que possam viver intensamente a sua sexualidade. No entanto, o profissional de saúde tem de ter em conta que não existe um padrão de normalidade em relação ao desejo sexual. Os sentimentos sexuais e a sua expressão são altamente individualizados.
A associação entre as relações sexuais e a patologia obstétrica remonta à antiguidade mais longínqua. Várias perspetivas em discussão, se basearam desde sempre em argumentos de nenhuma credibilidade científica e fundados, sobretudo, em empirismos pseudocientíficos e preconceitos religiosos, conseguiram, surpreendentemente, subsistir até ao nosso tempo.
Atualmente e, na opinião de diferentes autores, poucas são as situações que se assumem como contraindicações da relação coital durante a gravidez. Assim, existem situações concretas que levam a restringir ou até a prescindir da atividade sexual coital durante a gravidez. A ameaça de aborto ou o aborto de repetição são as causas que mais frequentemente desaconselham e até proíbem as relações coitais durante o primeiro trimestre da gravidez. Durante o terceiro trimestre, a placenta prévia ou a ameaça de parto prematuro constituem situações nas quais se desaconselha a atividade sexual coital.
As consequências negativas do coito e do orgasmo no desenvolvimento da gestação e do feto relacionam-se com três áreas principais: fatores mecânicos (abortamento, hemorragia e rotura prematura das membranas), contrações uterinas (parto prematuro) e infeção.
Dentro do útero, o feto encontra-se bem protegido contra as agressões traumáticas provocadas por pressão sobre o abdómen da grávida. No entanto, dada a probabilidade de uma em cada dez gestações o ovo ser anembrionado, torna-se fácil o estabelecimento de uma relação entre uma prática carregada de fatores de culpabilização, como o é a cópula, e esse acidente.
Ainda que os traumatismos nas mulheres grávidas sejam bastantes frequentes, há estudos que mostram que a frequência relativa dos abortamentos espontâneos antes das 9 semanas, se situa na ordem de um por mil traumatismos, não havendo nesses estudos qualquer referência especial ao coito. Nas primeiras 9 semanas de gestação, a grande maioria dos abortos espontâneos derivam de defeitos cromossómicos de que resulta a morte precoce do embrião.
Ainda a respeito do evitamento das relações coitais, os casais devem-se abster das relações sexuais quando, no primeiro trimestre, há cólicas abdominais ou hemorragias após o coito e, também, quando há na história da grávida casos de aborto espontâneo no primeiro trimestre, embora os estudos dos casos de abortamento precoce não lhe façam referência especial. Nesta perspetiva, essa abstinência, mesmo que não se justifique do ponto de vista etiológico, evita sentimentos de culpa do casal face a um abortamento cuja verdadeira causa foi a patologia obstétrica.
A coitorragia é uma ocorrência que pode registar-se em qualquer momento da gravidez, desde que existam condições inflamatórias ou tumorais do colo que a favoreçam. Estes são, geralmente, estados previamente conhecidos pelo que, as hemorragias daí resultantes não contraindicam a relação sexual cuidadosa, desde que se proceda ao tratamento adequado.
Todavia, o mesmo não acontece no caso de hemorragias por descolamento prematuro da placenta ou de placenta prévia de causa desconhecida, dado que podem pôr em perigo a vida do feto e da grávida.
Numa gravidez normal, o coito, só por si, não pode ser causa de rotura das membranas. Estudos dinamométricos demonstram que, no estado normal, a sua resistência é muito superior às pressões que poderão resultar de um coito.
Contudo, em casos de pressão intrauterina excessiva (hidrâmnios, gravidez gemelar), em casos de fragilização anormal (placenta prévia, incompetência do colo, ou infeção) e também perante outros fatores, tais como primiparidade idosa, carência de vitamina C e traumatismos, o clínico admite que o coito e o orgasmo podem ser considerados como fatores secundários, atuando em terreno patológico pré-existente, e não a sua causa direta.
De facto, a pressão não é considerada a responsável direta pela rotura das membranas mas, antes, o seu dano estrutural resultado da despolimerização enzimática das fibras de colagénio, provocado por enzimas proteolíticas, em particular as libertadas nos processos infeciosos (embora estas enzimas se encontrem também na composição do líquido espermático, o seu efeito não parece ser importante). Assim, um suposto mecanismo da rotura é o resultado das relações sexuais em caso de infeção, mecanismo que ainda não está provado com segurança.
As prostaglandinas presentes no esperma e as contrações uterinas provocadas pelo orgasmo feminino têm sido, frequentemente, apontadas como as responsáveis por alguns partos prematuros. No entanto, os resultados dos estudos que se têm realizado sobre esta problemática não coincidem. Alguns autores não encontraram relação entre o coito e o parto prematuro. Por seu lado, outros autores apresentam resultados que parecem comprovar essa relação, se não direta, pelo menos como fator a considerar em situações de risco. Neste sentido, consideram que, até à resolução destas divergências, se deve recomendar a abstenção da relação coital e do orgasmo nos seguintes casos:
a) Passado obstétrico carregado;
b) Interrupção de trabalho de parto prematuro na gestação atual, até que o feto atinja a maturidade;
c) Parto prematuro anterior inexplicado;
d) Incompetência cervical ou apagamento precoce do cérvice, ao exame vaginal.
Ainda sobre esta questão do parto prematuro, alguns autores valorizam a estimulação mamária como fator capaz de induzir a atividade uterina e, sendo assim, desaconselham igualmente esta prática às grávidas de risco.
Na grávida saudável, um colo competente e membranas intactas oferecem proteção eficaz contra as mais variadas infeções. Em contrapartida, em mulheres com incompetência cervical, membranas rotas ou colo apagado e dilatado na fase final de gestação, o pénis pode arrastar para o útero bactérias patogénicas provocando infeções graves, que podem resultar em morbilidade e mortalidade materno-infantil.
A este propósito, alguns autores referem que as doenças sexualmente transmissíveis, entre elas, a sífilis, o herpes genital, a gonorreia, a clamídia, a tricómona, entre muitos outros agentes infeciosos, a que mais atualmente se veio juntar a SIDA, podem ter efeitos desastrosos na gestante e no feto e, de facto, são habitualmente contraídas por via das relações sexuais. De facto, estas infeções são muito frequentes nas grávidas com vários parceiros sexuais e, nestes casos, ou noutros considerados de risco, deve ser aconselhada a utilização de preservativo.
A embolia gasosa é também, uma ocorrência a que alguns investigadores têm prestado particular atenção, dado tratar-se de uma situação quase sempre mortal. Com efeito, encontram-se já descritos na literatura dez casos de morte materna devidos a embolia gasosa, provocada pela introdução forçada de ar na vagina. Nesta situação, associada à prática sexual do cunnilingus, os homens sopram para dentro da vagina, levando à entrada de ar no sistema vascular materno, através do canal cervical dilatado.
Nota final
Como conclusão, pensamos que a gravidez não provoca uma rutura na história do casal que, anteriormente, vivia de forma satisfatória a sua própria sexualidade e a sua relação conjugal. Pelo contrário, com a gravidez o casal pode descobrir outro tipo de sexualidade altamente gratificante, sobretudo quando existe a necessidade duma união afetiva. Esta harmonia e bem-estar incidem favoravelmente sobra a saúde mental e física do casal.
Desta forma, cabe aos profissionais de saúde favorecer uma vivência plena da sexualidade durante a gravidez. Com frequência, estes profissionais deixam de considerar a sexualidade como um aspeto importante na vida do “casal grávido”, sendo poucas as informações objetivas no aconselhamento dos casais referentes às intimidades sexuais durante a gravidez. O aconselhamento sexual deve incluir a correção de informações ou conceitos errados, a garantia de normalidade e a sugestão de comportamentos alternativos. A especificidade de cada um deve ser enquadrada numa perspetiva biopsicossocial e cultural. O aconselhamento de casais sobre a sua adaptação sexual durante a gravidez exige do profissional de saúde uma avaliação pessoal, bem como um conhecimento profundo das respostas físicas, sociais e emocionais à sexualidade durante este período. É igualmente importante vencer preconceitos e estereótipos, para um aconselhamento neutro, sem juízos de valor e individualizado.
Para os profissionais de saúde pode ser difícil aconselhar as mulheres sobre a sexualidade e gravidez. A principal prioridade é inquirir a respeito das preocupações que a mulher possa ter. As relações sexuais na gravidez não são um assunto que as mulheres apresentem de forma espontânea. É muito importante desfazer os mitos, citando os riscos potenciais e as pesquisas que afirmam que estes não existem, em especial quando a mulher tiver que fazer uma escolha informada. Não existem evidências conclusivas de que as relações sexuais, durante a gravidez prejudiquem a grávida ou o feto.
Um número significativo de casais necessita apenas de “permissão” para manter a sua vida sexual durante a gravidez. Muitos outros necessitam de obter informações sobre as alterações fisiológicas decorrentes da gravidez, bem como desfazer alguns mitos sobre o sexo durante a mesma. Um entendimento completo da intimidade do casal também deve incluir aspetos da relação, tais como as orientações dos papéis de género, o grau de envolvimento do pai e o padrão habitual da expressão sexual.
Permitir e informar são responsabilidade do profissional de saúde.
É necessário ter uma visão alargada e abrangente sobre a sexualidade. Quando um casal não pode, ou prefere não ter, relações sexuais com penetração, a necessidade de intimidade e união pode assumir diversas expressões. Os atos de beijar, abraçar, massajar, acariciar e uma maior sensibilidade e carinho são formas válidas de exprimir a sexualidade e constituem sinais de afeto. Cada um destes aspetos constitui, por si só, uma experiência agradável e nem sempre conduzem ao ato sexual.
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Ligações
[1] https://www.atlasdasaude.pt/publico/content/gravidez
[2] https://www.atlasdasaude.pt/publico/content/sexo-na-gravidez
[3] https://www.atlasdasaude.pt/publico/content/como-dormir-melhor-durante-gravidez
[4] https://www.atlasdasaude.pt/publico/content/hemorroides-na-gravidez
[5] https://www.atlasdasaude.pt/publico/content/obstipacao-na-gravidez
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[7] https://www.atlasdasaude.pt/taxo-categories/saude-da-mulher
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[9] https://www.atlasdasaude.pt/taxo-categories/parentalidade
[10] https://www.atlasdasaude.pt/taxo-categories/aconselhamento
[11] https://www.atlasdasaude.pt/autores/maria-helena-junqueira-enfermeira-graduada-mestre-em-estudos-sobre-mulheres-pedro-quintas