Portugal entre os países europeus com maior desproteção financeira no acesso aos cuidados de saúde
Cerca de 29% da despesa em saúde é financiada diretamente pelas famílias portuguesas no momento da prestação de cuidados de saúde. Os pagamentos diretos das famílias portuguesas, que em 2021 ascenderam a sete mil milhões de euros, correspondem quase exclusivamente a pagamentos a prestadores privados (cidadãos sem seguros de saúde, copagamentos realizados a prestadores privados por cidadãos com seguros de saúde, taxas moderadoras nos serviços públicos de saúde) e a aquisição de medicamentos nas farmácias comunitárias (pagamento das despesas com medicamentos pelos cidadãos, em particular na parte não comparticipada pelo SNS).
A evidência descrita na presente Nota Informativa coloca Portugal como um dos países europeus com maior peso dos pagamentos diretos das famílias no financiamento do sistema de saúde (em 2021 apenas quatro países – Lituânia, Látvia, Grécia e Bulgária - apresentavam valores de pagamentos diretos mais elevados). O desvio face à média europeia é evidente ao longo dos anos e desde 2000 que o peso dos pagamentos diretos em Portugal é superior ao registado na maioria dos países da Europa. Além disso, em anos mais recentes, verifica-se uma divergência da tendência em Portugal face aos restantes países europeus.
O elevado peso dos pagamentos diretos em Portugal levanta, segundo os investigadores, sérias preocupações ao nível de proteção financeira conferida pelo sistema de saúde português sugerindo a existência de uma significativa ‘desproteção financeira no momento de acesso aos cuidados de saúde em Portugal’. De facto, embora a quase totalidade dos pagamentos diretos das famílias corresponda a pagamentos realizados a entidades privadas, tal acontece como consequência dos mecanismos de proteção públicos e o ‘setor público tem responsabilidade em parte desses pagamentos, por os originar’ (por exemplo, uma receita médica comparticipada pelo SNS implica um copagamento do utente num prestador privado – a farmácia. Neste caso, o pagamento direto realizado numa entidade privada é consequência da pouca proteção conferida pelo SNS).
Quando analisado o valor médio gasto pelas famílias nas várias categorias, verifica-se que o valor das taxas moderadoras – quer nos cuidados de saúde primários, quer nos cuidados de saúde hospitalares – é bastante reduzido tendo em consideração o total de despesas reportadas (valor que tende ainda a cair mais com a classe económica uma vez que as classes mais desfavorecidas tendem a estar isentas do seu pagamento). A grande maioria dos pagamentos diretos das famílias é realizada em duas grandes categorias de prestadores beneficiados: prestadores de ambulatório (copagamentos feitos por utentes em consultas, exames ou outros procedimentos realizados em prestadores privados e pagamentos realizados por utentes que não estejam cobertos por seguros ou subsistemas de saúde) que atualmente representa 38% da despesa das famílias face a 31% verificado no ano 2000 e farmácias (copagamentos de medicamentos comparticipados pelo SNS e pagamentos de medicamentos ou outros produtos não comparticipados pelo SNS) cujos pagamentos em 2000 representavam o principal destino dos pagamentos diretos das famílias (32%) registando em 2020 um decréscimo para 24%.
Os hospitais privados têm vindo a ganhar relevância no total de pagamentos diretos, aumentando a sua quota de 10% para 15% entre 2000 e 2020, o que sinaliza ‘uma maior procura por cuidados de saúde hospitalares no setor privado, uma maior diferenciação dos próprios prestadores, bem como uma maior concentração de médicos em hospitais privados, ao invés dos tradicionais consultórios particulares’.
Desagregando as despesas reportadas em saúde por nível de rendimento do agregado familiar, verifica-se que os pagamentos diretos em saúde, em 2015, correspondiam em média a cerca de 6% do rendimento total líquido do agregado familiar. Os pagamentos diretos referentes a medicamentos e produtos farmacêuticos constituem a principal fonte de despesa em saúde das famílias (63%), seguindo-se a despesa em cuidados de ambulatório (28%), aquisição de aparelhos e material terapêutico (7%) e serviços hospitalares (2%). No entanto são também reportadas outras despesas, como por exemplo transportes que – não sendo contabilizadas como despesa em saúde na contabilidade oficial sobre a despesa na área da saúde – são suportadas pelas famílias nos acessos aos cuidados de saúde, razão pela qual a estimativa do custo direto suportado pelas famílias surge sempre inferior à real.
No que se refere ao peso das despesas em saúde no total do rendimento verifica-se que diminui com a melhoria das condições socioeconómicas. Nas famílias mais desfavorecidas as despesas em saúde representam mais de 10% do seu rendimento anual líquido, com uma despesa de 75% para compra de medicamentos, o que revela um esforço significativo para aquisição de medicamentos e um fraco recurso a prestadores privados. Nas famílias mais favorecidas, as despesas em saúde representam menos de 4%, com as despesas de recurso a cuidados ambulatórios ou hospitalares a representarem cerca de 36% dos pagamentos em saúde (face a 17% das famílias menos favorecidas, cujo principal gasto é associado a serviços de medicina dentária que representam quase metade destas despesas em ambulatório).
O impacto assimétrico das despesas em saúde nos níveis de rendimento coloca um desafio em termos de acesso a cuidados de saúde para as classes socioeconómicas mais desfavorecidas revelando uma ‘pressão elevada sobre as famílias de menores rendimentos’ apresentando-se como uma potencial barreira de acesso aos cuidados de saúde que, segundo os investigadores poderá ser ultrapassada ‘reduzindo os pagamentos diretos das famílias na comparticipação de medicamentos e no acesso a cuidados de ambulatório, em particular saúde oral para famílias com mais dificuldades económicas’.