Endometriose: um terço das mulheres só descobre a doença quando tenta engravidar
O que é a Endometriose? Quais as causas e principais complicações?
Para percebemos o que é endometriose, é importante perceber o que é o endométrio, que corresponde ao tecido que reveste a cavidade uterina e que sofre alterações cíclicas ao longo do mês, proliferando e crescendo até iniciar a sua descamação, que se traduz pela menstruação.
Na endometriose, o que acontece é que estas glândulas crescem fora da cavidade uterina, o que faz com que estas menstruem nos locais onde se implantam, originando lesões de endometriose. Estas podem localizar-se em qualquer parte do corpo, sendo mais frequentes na cavidade pélvica, junto aos órgãos reprodutores (útero e ovários). Adenomiose, por exemplo, é uma forma de endometriose na qual as glândulas endometriais se localizam dentro do próprio músculo uterino.
Dependendo do local, podem manifestar-se de diferentes formas, podendo ser identificadas sob a forma de quistos, aderências, nódulos ou, em alguns casos, infertilidade.
Qual a incidência desta doença ginecológica de natureza progressiva e seus principais sintomas? Quais os principais sinais de alerta?
Sabemos que a endometriose afeta 1 em cada 10 mulheres em idade fértil, o que corresponde a 350 mil mulheres em Portugal, por isso, é fundamental alertar as pessoas para este problema.
A endometriose manifesta-se maioritariamente por dor intensa (associada à menstruação, ao evacuar, ao urinar, durante as relações e, por vezes, durante a ovulação).
Quando uma mulher tem dor menstrual (dismenorreia) que interfere com o seu dia a dia, impedindo-a de fazer uma vida normal, significa que esta dor deve ser investigada e que a mulher afetada deve procurar ajuda diferenciada para perceber qual a causa da dor e diagnosticar ou excluir endometriose.
Como é feito o seu diagnóstico e quais os principais desafios associados e que muitas vezes impedem que a patologia seja identificada atempadamente? Sabe-se, por exemplo, que a grande maioria das mulheres só descobre a doença quando tenta e não consegue engravidar…
O diagnóstico da doença passa por saber ouvir as queixas das mulheres que nos procuram – fazer uma ao história clínica seguido de um exame objetivo adequado permite fazer o diagnóstico na maioria dos casos de endometriose. Depois, perante está suspeita, podemos confirmar o diagnóstico através e uma ecografia de referência ou através de uma RMN.
Sendo uma doença crónica que afeta as mulheres durante a sua vida reprodutiva, é fundamental que seja realizado um diagnóstico precoce para uma melhor orientação e preservação da fertilidade. Infelizmente, ainda existe um franco atraso no diagnóstico – em média de 7 a 10 anos –, porque ainda é comum dizer-se que ter dor na menstruação é normal ou que esta passa depois de uma gravidez, ou até mesmo que a mãe e a avó também tinham, acabando por desvalorizar a gravidade da dor.
Por outro lado, torna-se fundamental dar mais formação aos cuidados de saúde primários, de modo a que estes saibam ouvir as queixas, investigar, desconfiar e orientar estas mulheres para centros de referência.
Parte destas mulheres só descobre a doença quando tenta engravidar, porque é nessa altura que deixa a pilula e a endometriose se começa a manifestar.
Em números gerais, cerca de 2/3 das mulheres com endometriose não terão qualquer problema em engravidar. Apenas 1/3 vai precisar de ajuda neste caminho, o que habitualmente está relacionado com os casos mais graves de endometriose.
Em média, quanto tempo pode decorrer até ser corretamente diagnosticada?
Em média decorrem 7 a 10 anos até ao diagnóstico correto da doença, no entanto, com o trabalho de divulgação e sensibilização para o conhecimento de endometriose, penso que estamos a encurtar este tempo
Que opções terapêuticas existem para tratar a endometriose? É possível a cura definitiva?
Sendo uma doença crónica, temos de ensinar as mulheres a saber lidar com esta doença e a controlar os sintomas, uma vez que, infelizmente, ainda não existe um tratamento 100% eficaz. Neste sentido, podemos atuar de várias formas:
- Hábitos de vida saudáveis – uma alimentação dita “anti-inflamatória” vai reduzir a inflamação pélvica e as queixas de dor. A redução dos níveis de stresse e a prática de exercício físico também são fatores importantes;
- Depois, é importante ter em conta que cada caso é um caso! Cada doente tem de ser estudada particularmente e de acordo com os seus objetivos, as suas queixas e a gravidade da doença. Tendo todos estes fatores em conta, é definido um tratamento
Dentro destas premissas, é importante salientar que:
- Se a mulher não apresenta contraindicação para uma terapêutica médica e não pretende engravidar, tem indicação para iniciar terapêutica hormonal, ou seja, iniciar uma pilula para atrofiar o endométrio, que se encontra fora do útero, de modo a tentar adormecer a endometriose e a controlar os sintomas, melhorando a qualidade de vida das doentes;
- Se a mulher pretende engravidar, deve interromper a terapêutica hormonal, fazendo-se uma vigilância de sintomas e da doença durante as tentativas e até obter uma gravidez. Se a dor é incapacitante ou a doença é agressiva e com envolvimento de órgãos (intestino, bexiga, ureter..), a cirurgia deve ser
- equacionada e discutida com a doente. Se a dor é controlável e a doença está estável, mas a doente não consegue engravidar, deve ser equacionada a avaliação por uma equipa de infertilidade;
- No contexto atual, a mulher, muitas vezes, protela a gravidez para uma fase mais tardia da vida. Numa mulher com endometriose, em que a inflamação da doença pode por si só deteriorar a reserva ovárica/função ovárica, podendo haver mesmo envolvimento dos ovários e das trompas pela endometriose, devemos cada vez mais e mais cedo alertar para a possibilidade de preservar óvulos – criopreservação. Seja pré-cirurgia, seja apenas porque a mulher ainda não pretende engravidar. Devemos cada vez mais falar precocemente sobre este tema.
No fundo, o tratamento da mulher com endometriose deve atuar em várias dimensões de modo a restabelecer o bem-estar físico e psíquico da mulher. É importante não só controlar a doença, mas também perceber as dúvidas e os objetivos da mulher, de modo a estabelecer um plano de ação adaptado ao seu caso.
Quando a cirurgia não é suficiente, o que resta a estas mulheres?
Quando a dor é insuportável e a cirurgia á a melhor forma de tratamento, a laparoscopia é o método gold standard para o diagnóstico e tratamento adequados da doença. Hoje dispomos de equipamentos de laparoscopia com elevada qualidade de imagem e instrumentos inovadores que permitem abordagens cada vez mais precisas, eficazes e seguras.
No entanto, quando a cirurgia não é suficiente, temos que perceber qual é o objetivo da mulher que estamos a tratar e orientar – sendo qualidade de vida ou fertilidade – a nossa atitude será diferente. De acordo com o objetivo, teremos uma atitude multidisciplinar para propiciar melhor controlo de dor e qualidade de vida.
Que mitos ainda persistem quanto a esta patologia e que importa desconstruir?
O principal mito prende-se com a ideia de que ter dor menstrual (dismenorreia) é normal. Quando esta a impende de ter uma vida normal, interferindo com o seu dia a dia e a sua qualidade de vida, é crucial que esta seja investigada.
O atraso no diagnóstico, conforme mencionado anteriormente é uma das consequências da falsa ideia de que ter dor na menstruação é normal ou que esta passa depois de uma gravidez. Ouvimos recorrentemente a família a desvalorizar as dores de uma adolescente, porque a mãe ou a avó passaram pelo mesmo, mas é importante desfazer esta ideia, deixando de a passar às gerações mais novas, para que possamos detetar esta doença mais cedo e adotar o tratamento adequado.
Que mensagem ou conselhos gostaria de deixar a mulheres que tenham sido recentemente diagnosticadas com a doença?
Provavelmente o caminho até ao diagnostico não foi linear e geralmente moroso. Se finalmente tem o diagnóstico, está na fase de aprender a viver com endometriose, pois existem inúmeras coisas que pode aprender e fazer para melhorar a sua qualidade de vida, ajudando a controlar a doença, devendo para isso, ser acompanhada num centro de referência de endometriose, por uma equipa multidisciplinar.